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Exército pede uso de mandado coletivo; especialistas e população temem abusos

Ideia inclui autorizações para busca e apreensões 'em rua, área ou bairro'; vídeo na internet ensina a se precaver de abordagens

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Por Carla Araujo , Julia Lindner , Tania Monteiro , Felipe Frazão , Roberta Jansen e Roberta Pennafort
Atualização:

BRASÍLIA - A pedido do comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, o governo federal vai pedir à Justiça Estadual do Rio “mandado coletivo de busca e apreensão” para atuar durante a intervenção na área de Segurança Pública. A medida motivou crítica de organizações e de especialistas e criou temor nas comunidades.

O ministro Raul Jungmann explicou que o mandado coletivo é uma ordem judicial que já foi empregada outras vezes no Rio de Janeiro Foto: Fábio Motta/Estadão

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“No lugar de você dizer rua tal, número tal, você vai dizer, digamos, uma rua inteira, uma área ou um bairro”, disse o ministro da Defesa, Raul Jungmann. Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que a ideia foi discutida durante reunião do presidente Michel Temer com os Conselhos de Defesa Nacional e da República, na manhã de ontem. Os pedidos são limitados a busca e apreensão, pois os de captura, pela Constituição, têm de ser apresentados individualmente.

“Por conta da realidade urbanística do Rio, você muitas vezes sai com um mandado para uma casa e o bandido se desloca e, então, você precisa ter o mandado de busca e apreensão e captura coletiva”, justificou a pasta.

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Ainda não há definição de como, quando e onde isso será feito. A ideia é que a ação, uma vez concedida, possa ser executada pelas Polícias Militar ou Civil ou pelas Forças Armadas. “Não há carta branca. Militares não exercerão papel de polícia”, reiterou Jungmann. A Advogacia-Geral da União (AGU) admite que a medida poderá ser judicializada e já se prepara para recorrer até ao Supremo Tribunal Ferderal (STF). “Caso uma decisão dessa natureza seja objeto de questionamento, caberá à AGU fazer a defesa do ato, até a última instância”, afirmou a advogada-geral da União, Grace Mendonça.

Especialistas em segurança já criticam a medida. Eles temem violações graves de direitos humanos e destacam que, no Rio, a medida já foi usada em comunidades pobres – no Complexo do Alemão, por exemplo. “Esses mandados genéricos são ilegais, há várias decisões do Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal neste sentido”, explicou o advogado Thiago Bottino, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ). "Imagina se a polícia ou o Exército resolve fazer uma busca e apreensão em um prédio inteiro em Higienópolis? Quem terá o direito violado é o outro, o mais pobre, que vive numa comunidade precária.” 

A Defensoria Pública vai na mesma linha. “O combate ao crime não autoriza a prática, pelo Estado, de violações de direitos individuais.” Já a diretora do escritório regional da Humans Rights Watch, Maria Laura Canineu, qualificou a proposta de “excrescência”. E o Conselho Nacional de Direitos Humanos disse que propostas assim “revelam o desacerto do uso das Forças Armadas”.

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População

A notícia da intervenção federal na segurança do Rio também já está causando apreensão em moradores de favelas. Eles temem que ocorram abusos por parte de integrantes das Forças Armadas e da polícia, como revistas indiscriminadas e invasão a domicílios. Circulam nas redes sociais dicas de como lidar com excessos e se precaver. Em vídeo que “viralizou” no Facebook, três jovens negros recomendam a quem se sente rotineiramente vítima de racismo que ande com a nota fiscal do celular, para provar que não se trata de produto roubado. Também são instados a evitar o uso de guarda-chuvas e furadeiras, que possam ser confundidos com armas de fogo.

O Estado ouviu moradores de duas favelas que passaram por operações das Forças Armadas: Rocinha, na zona sul, e Cidade de Deus, na zona oeste. Pedindo anonimato, eles se disseram traumatizados com as ações policiais. E afirmaram que, assim como seus vizinhos, já estão mudando as rotinas para se resguardar.

Vista da Favelada Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Fábio Motta/Estadão

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Muita gente que já não saía de casa, por causa da guerra no morro que vem desde o ano passado, agora evita ainda mais estar na rua”, disse uma moradora. “Tem gente que sai para trabalhar de manhã, e não fica ninguém em casa. Se tiver operação, podem meter o pé na porta para investigar se tem algo ilegal. Aí deixam sua porta arrebentada, e fica por isso mesmo, não pagam outra”, lembrou um morador da Cidade de Deus. 

Outro morador da favela disse que os residentes mais antigos se sentem como “nos anos 1970 e 1980”. “Tinha toque de recolher às 22h. Quem trabalhava à noite tinha de mostrar a carteira assinada na revista.” "Mas parte da Cidade de Deus aprova”, contou outro. “Tem jovem se entregando ao tráfico porque sai para procurar emprego e não consegue, enquanto o tráfico está lá na porta para alistá-lo.”Na saída da reunião, os líderes da minoria senador Humberto Costa (PT-PE) e deputado José Guimarães (PT-CE) disseram que preferiram se abster e criticaram o fato de o governo não ter exposto dados concretos que mostrassem a real necessidade da intervenção.

As críticas dos parlamentares foram rebatidas por Jungmann, que diz ter feito uma "exposição de motivos que levaram à intervenção e que remetem ao grave comprometimento da ordem pública". 

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