RIO - Uma disputa de terras em Trindade, região de praias quase isoladas, cercadas por Mata Atlântica, na divisa entre Rio e São Paulo, resultou na morte de um rapaz de 23 anos e revoltou a população de Paraty, cidade no litoral sul fluminense. Moradores se mobilizaram, fizeram protestos e destruíram alojamentos da empresa Trindade Desenvolvimento Territorial (TDT). Jaison Caique Sampaio, o Dão, de 23 anos, foi morto a tiros por dois policiais militares na casa que dividia com o irmão na Praia Brava, no dia 2.
Segundo o irmão, cujo nome é mantido em sigilo, os sargentos Udson de Oliveira e Claudio Antônio Fonseca chegaram ao imóvel por volta das 11h, à paisana. Eles teriam acusado os homens de invadirem terras da empresa e ordenado que saíssem dali. O irmão de Dão disse aos PMs que voltassem com mandado judicial. A seguir, teria levado um tapa no rosto, caído e ouvido tiros. Ele disse que correu e se escondeu no mato. Baleado duas vezes, Dão morreu no hospital. Os policiais, na corporação há 15 anos, foram à 167.ª DP (Paraty) e disseram ter agido em legítima defesa.
O delegado Flavio Narcizo pediu a prisão temporária dos PMs. Como eles trabalham no fórum da cidade, o processo foi transferido para a comarca de Angra dos Reis. O pedido de prisão foi negado. “Os PMs estiveram nas terras como prepostos da empresa, não como agentes da lei”, disse um policial civil envolvido na apuração do crime. A Polícia Militar informou que os militares estão em prisão administrativa.
Revoltados com a morte do jovem, cuja família vive na região há cinco gerações, moradores de Trindade derrubaram as cercas das terras da TDT e queimaram alojamentos. Nesta segunda-feira, 6, fizeram ato por justiça. “Os moradores estão fazendo mutirão para construir uma praça na área que seria dessa empresa. Parte dessas terras consta da lei sobre áreas públicas de interesse coletivo, aprovada em 2011, mas que não foi sancionada à época. Estamos reivindicando ao prefeito Casé (PMDB) que sancione essa lei e construa a praça”, disse Davi Paiva, da Associação de Moradores de Trindade (Amot).
Área de proteção. A disputa fundiária em Trindade começou nos anos 70 do século passado. Parte da região integra o Parque Nacional da Bocaina e a Área de Proteção Ambiental do Cairuçu. Cerca de 120 famílias, sem títulos de propriedade, viviam na área quando uma empresa anunciou ser dona das terras.
Os sucessivos confrontos atraíram a atenção de frequentadores das praias de Trindade, que se mobilizaram em defesa dos caiçaras. Em 1982, foi firmado acordo – cerca de 40 famílias receberam os títulos das propriedades que habitavam.
O Estado entrou em contato com a advogada Monique Dutra, que defende a TDT. Ela disse que passaria o pedido de entrevista à empresa, mas não voltou a fazer contato. A sede da companhia fica no centro de São Paulo. Por telefone, uma mulher informou que a TDT já não funciona ali há anos.
“A primeira briga está fazendo 40 anos. Eu estava pescando. Quando saí do mar tinha 60 jagunços obrigando os caiçaras a vender as casas. A polícia me deu três despejos. Morei três anos na Praia do Cepilho. Aí o mar me deu despejo – quase levou a gente. Agora mataram o rapaz. O direito dos policiais não era matar. Era conversar e processar o rapaz, se ele estivesse errado”, disse o pescador Antonio de Jesus, de 84 anos.
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