‘Meu inimigo número 1 é o fuzil; o uso do equipamento se banalizou’

Secretário pede maior rigor na punição de quem porta armas pesadas e afirma que UPPs devem entrar em nova fase

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Por Carina Bacelar , Marcelo Beraba e Wilson Tosta
Atualização:

RIO - Na quinta-feira em que o Estado do Rio completou 218 apreensões de fuzis desde o início do ano – seis só naquele dia –, o secretário de Segurança Pùblica, José Mariano Beltrame, voltava de Brasília. Lá, completou mais uma parte da cruzada que vem empreendendo contra o que chama de “armas de guerra” – além dos fuzis, metralhadoras e explosivos de uso exclusivo das Forças Armadas que chegam com facilidade às mãos dos comandos de narcotráfico que ainda dominam favelas do Rio.

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No Congresso Nacional, Beltrame pediu à bancada fluminense que mudasse o Código Penal e endurecesse as penas para porte, transporte e tráfico desse material. “O meu inimigo número um é o fuzil.”

No cargo desde 2007, recorde para a pasta, ele avalia que algumas das 38 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) não estão consolidadas, mas defende que o principal programa estadual de segurança tem de entrar em nova fase. Essa próxima etapa será a integração com companhias de proximidade, montadas fora das favelas. A crise financeira que o Estado atravessa deixa o secretário “estressado”, mas Beltrame pretende ficar no cargo até 2018. “(Meu prazo de validade) acabou, mas eu dei uma renovadinha. Botei uma bateriazinha”, brinca.

José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio de Janeiro Foto: Fabio Motta/Estadão

O que o senhor está reivindicando no Congresso?O meu inimigo número um é o fuzil. A utilização desse equipamento se banalizou desde os anos 80. A sociedade não se sensibilizou a ponto de cobrar uma medida dos seus parlamentares. Quem tem um fuzil é muito diferente de quem tem um revólver 38. E sou contra quem tem um revólver 38. Contra qualquer tipo de utilização de arma de fogo.

De onde vem tanto fuzil? Do Paraguai. Inclusive esses AK-47 que estão sendo apreendidos hoje. Tem dois caminhos para os AK-47. Um é o rescaldo das guerras de Moçambique e de Angola. As armas saíram de lá, entraram pelo porto do Rio Paraguai, em Assunção (capital do Paraguai), e chegaram por aqui nos anos 80. Agora você tem a mesma possibilidade, só que vindo, talvez, da Venezuela. O AK-47 que estamos pegando desde o início do ano não é aquele modelo da guerra. É um modelo novo. Ele tinha partes de madeira, que agora é de polímero. Quem eu sei que comprou grande quantidade na América Latina, em torno de 20 mil AKs-47, foi a Venezuela.

E a questão das fronteiras, para impedir que esse armamento chegue ao Rio? A questão da fronteira é muito difícil. Não estou culpando a Polícia Federal, trabalhei lá. Eu não vejo instituição brasileira hoje que possa fazer frente a isso. A fronteira poderia ser coberta por instituições que tem capilaridade para isso, como o Ministério da Defesa.

O senhor vê solução a médio prazo para os problemas sociais que levam os jovens ao crime? Acho muito difícil. Eu tenho uma perspectiva muito positiva para as polícias, em função do que nós estamos fazendo, mas acho que temos uma legião de pessoas que hoje veem no crime uma possibilidade para tocar as suas vidas. Para mim, a nação brasileira, o Estado brasileiro, perdeu a capacidade de seduzir o menor, o adolescente, a não ir para o crime.

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A queixa, em muitas comunidades com UPPs, é que faltou a entrada de outros serviços do Estado. O senhor concorda? As questões sociais estão acontecendo, mas não na velocidade e intensidade que eu queria e que aquela população merece. O projeto previa um “tsunami de ações sociais”. Esse tsunami não aconteceu nessa dimensão.

O policiamento comunitário, presente na proposta original das UPPs, não deu certo? Tem comunidades consideradas “bandeira vermelha” (há ainda as classificações amarela e verde). Essa área não está pronta, não há condições de se fazer policiamento de proximidade. Tem pontos que, se você for lá, vai ter confronto. Rocinha é uma. Alguns lugares do Alemão também. As (comunidades com) bandeiras vermelhas são em torno de 20% das áreas de UPPs.

O novo comando da Polícia Militar foi empossado em janeiro com o objetivo de fazer uma mudança no programa das UPPs? Está dando certo? Foi. O fim do programa UPP, porque as coisas têm começo, meio e fim, termina nas Companhias Integradas de Polícia de Proximidade. É o piloto que tem no Grajaú (zona norte) e o projeto todo já está pronto. O Pinheiro Neto (comandante da PM) deve entregar isso até bem antes do fim do ano, onde a gente vai ter uma companhia de policiais, com uma parceria com a Guarda Municipal, e esses policiais todos monitorados com telefone com GPS e câmera. Colocamos (no pedido de emendas aos parlamentares do Rio) R$ 20 milhões para fazermos isso, porque precisamos da tecnologia.

Existe uma tentativa de retomada do tráfico de drogas? Os tiroteios têm ocorrido até mesmo em comunidades pequenas. Nós não entendemos como uma retomada. Eles sabem que, se estão com cem homens, no outro dia a gente estará lá com 200, 300. Não adianta para eles fazerem uma retomada e não conseguirem exercer o negócio deles. Com o enfraquecimento muito grande do Comando Vermelho, a (facção criminosa) ADA (Amigos dos Amigos), que cresceu muito com o Playboy (Celso Pinheiro Pimenta, morto no mês passado), começou a se colocar. Na nossa avaliação, eles querem se colocar no mercado. A nossa sorte é que não é nada coordenado.

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A cultura da Polícia Militar costuma ser considerada de enfrentamento. O senhor acha que isso vai ser mudado e que o policiamento de proximidade vai dar certo? Claro que sim. E, se você olhar os índices de letalidade policial, vai ver que estamos no caminho certo. O índice de letalidade policial está em queda muito grande, principalmente dentro das UPPs. A gente andou. Não esperem nada mágico. Uma cultura, como se muda? Repetindo uma série de ações repetidas várias vezes durante um intervalo de tempo. Isso tem sido feito. Mas a cultura da polícia, sem dúvida nenhuma, ainda tem casos aí muitos tristes.

Quais são os próximos passos da UPP? Vai depender da situação financeira do Estado. Temos programas já prontos. A crise é nacional, não é carioca. Já estamos sentindo a falta de recursos. Enquanto isso, estamos fazendo projetos e trabalhando firme em redução de índices de criminalidade. Com um olhar já muito focado na Olimpíada.

O senhor admite a possibilidade de casos de violência com grande repercussão ocorrerem durante os Jogos? Acho que seria leviano da minha parte dizer ‘não, não vai ter nada’. Não tenho bola de cristal para dizer isso. Mas a minha opinião particular é que vamos ter uma Olimpíada muito tranquila. De tanto evento que (o Rio) teve, estamos com a lição de casa pronta.

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O senhor chegou a ter planos de não continuar no cargo?Passa pela cabeça. Mas eu tenho muita esperança, acredito muito no que eu faço. E acho que a gente tem coisas concretas para entregar. A minha preocupação é com a ordem e com medidas para estancar um pouco a violência urbana.

Mas pretende terminar os quatro anos (do mandato do governador Luiz Fernando Pezão)? Pretendo.

Porque o senhor parecia mais cansado, angustiado, ultimamente... Estou estressado. O que me estressa é você ver a possibilidade de melhorar as coisas e algumas dessas possibilidades não estão na sua mão. Se tivesse condições, ocupava o Chapadão e a Pedreira hoje (comunidades da zona norte dominadas, respectivamente, por Comando Vermelho e ADA). É um lugar que está pronto para ser ocupado. Não temos liderança criminosa lá. Não podemos (ocupar) por falta de pessoal, por falta de estrutura (de apoio) para os policiais.

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