Mudança em UPPs já cria insegurança

Oficiais da reserva da corporação e moradores de comunidades assistidas consideram que saída de policiais pode penalizar comunidades

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Por Roberta Pennafort
Atualização:
Complexo do Alemão. Redesenho prevê que 3 mil agentes passem a atuar no 'asfalto' Foto: FABIO MOTTA/ESTADAO

RIO - A iminente retirada de 3 mil PMs de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), anunciada para intensificar o patrulhamento nas ruas e reduzir os índices de criminalidade no Estado, deverá penalizar a população das favelas, acreditam oficiais da reserva da corporação e moradores de comunidades assistidas ouvidos nesta quarta-feira, 23, pelo Estado. Criado em 2008, o programa chegou a reduzir em até 65% as mortes nas áreas em que foi instalado, mas está em crise há pelo menos quatro anos, com a intensificação de tiroteios, casos de balas perdidas e ataques a policiais.

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No lançamento, as UPPs foram apresentadas à população pelo então governador Sergio Cabral Filho (PMDB) como a solução para a violência no Rio, por focar na expulsão de traficantes e na retirada de fuzis das comunidades. Representava, no discurso oficial, uma mudança nas relações entre PMs e moradores das favelas e uma trégua na lógica da guerra às drogas, implementada há décadas e marcada por ações sangrentas.

O redesenho, que atrela as UPPs aos batalhões da PM, é defendido pela Secretaria de Segurança para tentar conter o crescimento dos indicadores, como o de letalidade violenta. De janeiro a junho deste ano, crimes como homicídios e roubos seguidos de morte subiram 16,3% em relação ao mesmo período de 2016, com ocorrência de 19 mortes por dia. Outro motivo alegado pela pasta para as mudanças nas UPPs é a crise financeira do Estado, que impede a contratação de novos policiais.

“Acho que a tendência é tirar tudo, dar cabo do projeto. Nas próximas eleições, deve acabar. No início, a UPP funcionou, mas agora é raro não ouvirmos tiro. A pacificação não existe. A sociedade do asfalto pede mais policiamento, a secretaria atende”, analisou Luiz Soares, liderança comunitária na Favela de Manguinhos, zona norte. A comunidade é uma das mais violentas do Rio, mesmo tendo uma UPP desde 2013.

Em sentido inverso, Sebastião Gonçalves, representante dos moradores do Morro do Salgueiro, não quer mudança. A favela onde mora, na zona norte, recebeu uma UPP em 2010 e viu a violência desabar. “Eu não quero que mude nada, temos ótimo relacionamento com a UPP. A polícia não respeitava, agora respeita. Estou com muito receio”, lamentou.

Desmonte. Ex-comandante da PM do Rio, o coronel da reserva Ibis Silva manifestou dúvidas sobre a decisão de incorporar as UPPs aos batalhões. Para ele, as pacificadoras estão sendo desmontadas. “Subordinando a UPP ao batalhão da área, que está preocupado com a mancha criminal, como garantir que os policiais continuarão envolvidos com a tarefa da pacificação? (A redução) é muito triste e preocupante, vai expor os policiais que ficarem. As medidas, na prática, desmontam as UPPs e as transformam nos antigos Destacamentos de Policiamento Ofensivo”, disse ele. O oficial se refere ao antigo modelo em que a PM mantinha postos nas favelas, mas sem o compromisso de se aproximar da população.

O atual comandante da PM, coronel Wolney Dias, declarou nesta quarta à Rádio CBN que “está falando uma grande besteira quem diz que o projeto acabou”. Declarou ainda que o remanejamento de PMs que realizavam apenas “atividades administrativas” nas UPPs e as mudanças na escala de trabalho representam a queima de “uma gordura” no sistema. “As UPPs cresceram muito e houve um descuido. Tivemos de nos adequar ao quadro econômico-financeiro do Estado. A sociedade clama por mais policiamento nas ruas. Em momentos de crise, temos de ser criativos, fazer mais com menos.”

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Para o ex-comandante das UPPs Robson Rodrigues, o plano pode significar o “fechamento do caixão” do programa. “Não souberam reinventar as UPPs. Pode ser que consigam fazer o milagre da multiplicação do efetivo, que está aterrorizado, desmotivado. Por outro lado, os indicadores são dramáticos. A mensagem passada é a de quebra de um pacto com a população e de fragilidade da segurança pública, o que cria um espaço para a criminalidade.”

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