‘No palco, esqueço que estou na prisão’

Condenado a 108 anos, Edson Sodré Teixeira participou de 15 peças em presídios, em projeto da Universidade Federal do Estado do Rio

PUBLICIDADE

Por Fabio Grellet
Atualização:

RIO DE JANEIRO - Autor de cinco peças de teatro, Edson Sodré Teixeira já escreveu ao menos cem poesias e pintou dezenas de telas. Aos 18 anos, foi aprovado em primeiro lugar em um concurso da Aeronáutica. Hoje, aos 54, perdeu a conta dos livros que leu – entre eles, mais de 20 dos 52 volumes da coleção Os Pensadores, lançada pela Editora Abril na década de 70. Cita filósofos, conhece suas teorias e foi aprovado mais de cinco vezes em vestibulares de universidades públicas do Rio.

Teixeira é presidiário. Condenado a 108 anos, ingressou no crime em 1981, quando furtou um carro “para ajudar um amigo”. Depois passou a praticar assaltos, integrou uma das primeiras quadrilhas especializadas em sequestros do Rio e matou uma pessoa. Em junho de 1995, tramou a primeira fuga (a única registrada até hoje, segundo ele) da penitenciária de segurança máxima Bangu 1, sete anos após a inauguração daquela que era considerada a prisão mais segura do Rio. Não conseguiu fugir porque caiu da corda com que escalava uma parede de 7 metros de altura, mas três comparsas fugiram.

Multitarefa. Presidiário também escreve poemas e pinta quadros; interesse pela arte foi motivado pela vontade de fugir Foto: Wilton Junior/Estadão

PUBLICIDADE

Quando começou a fazer teatro, em 1997, na Penitenciária Lemos de Brito (Estácio, na região central), tinha um único objetivo: fugir. “Até então, em todos os presídios pelos quais havia passado, meu objetivo era só a fuga. Sabia que, se cavasse embaixo do palco, poderia chegar à tubulação e fugir pelo esgoto. Não me interessava por teatro e era muito tímido, mas a vontade de fugir era maior, então comecei a frequentar as aulas.”

O plano de fuga fracassou porque um colega que ajudava na escavação foi flagrado com ferramentas. “Ele não me ‘caguetou’, mas os guardas suspeitavam do meu envolvimento e passei a ser mais vigiado. Ainda consegui cavar outro ponto.”

Quando iniciou a fuga, em 1998, foi denunciado por outros presos e detido. “Estava dentro do esgoto quando os guardas me encontraram. Já tinha rastejado um bom trecho, tudo escuro, eu no meio daquela água suja. Coloquei a mão numa coisa estranha e vi que era um crânio. Acabei descoberto.”

Militar no crime. Àquela altura, a vida de Teixeira não tinha nada de artística. Nascido no Espírito Santo, chegara ao Rio em 1979, aos 17 anos, para prestar o serviço militar. Foi morar com uma tia em Bangu (zona oeste). Alistou-se na Aeronáutica. “Em 1981, um amigo me contou que precisava de um Fusca para ‘esquentar’ um chassi. Ele tinha contratado um ladrão para roubar o carro, mas o rapaz não apareceu. Aí me ofereci para o serviço.” Furtou o carro, não foi descoberto e decidiu repetir.

Passou a conviver com criminosos e a ser conhecido pelo apelido Ruço Capixaba. Em 1983, foi chamado para um assalto. “Ainda estava na Aeronáutica e, embora não tivesse autorização, andava armado, por isso me chamaram.” Decidiu pedir exoneração do cargo militar. Assaltou estabelecimentos comerciais por três anos, até ser preso em flagrante, em 1986. Ficou na cadeia até o fim de 1989. “Quando saí, estava começando uma onda de sequestros no Rio, então fui fazer isso.”

Publicidade

Preso em 1993, passou cinco anos planejando fugir. “Depois que fui pego no esgoto, precisava acabar com essa obsessão pela fuga. Então, passei a ver o teatro com outros olhos e também comecei a ler, pintar e escrever.” Teixeira também frequentava a biblioteca do presídio. “Li muito e comecei a fazer poesia.”

Livre. O interesse pelo teatro rendeu-lhe participação em 15 peças encenadas em presídios, parte de um projeto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). “Quando estou no palco me sinto livre, esqueço que estou na prisão.”

Transferido para o semiaberto em 2014, trabalhou como faxineiro na Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e foi aprovado no vestibular para Filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Desde 2002, já havia sido aprovado em quatro vestibulares, mas nunca cursara.

Segundo conta, só no fim de 2015 foi autorizado a frequentar as aulas. Prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e planeja cursar Letras na Unirio, mas aguarda nova autorização judicial para estudar e trabalhar. Ainda restam sete anos para o fim da pena.

A Secretaria de Administração Penitenciária autorizou, em março, que Teixeira frequentasse curso extramuros.