Polícia do Rio já raciona até comida

Corte de 32% no orçamento deixa veículos sem manutenção, helicópteros no chão e agentes ‘presos’ nos DPs e sem pagamento

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Por Clarissa Thomé
Atualização:

O delegado Felipe Curi, titular da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), e outros 11 policiais entravam na Vila do João, uma das favelas do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, quando o blindado em que estavam parou. 

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Das lajes, traficantes atiravam na direção do veículo enguiçado. Pelo rádio, pediram ajuda da Delegacia de Roubos e Furtos de Carga, que estava na mesma favela com outro “caveirão”. Permaneceram uma hora e meia sob intenso tiroteio, até que o socorro chegou: os veículos foram enfileirados e o blindado da Dcod saiu rebocado, ligado ao outro por cabo de aço.

O episódio aconteceu na segunda-feira. Um mecânico conhecido dos policiais deu um jeito no veículo. Cinco dias depois, o blindado voltaria à Maré, em mais uma operação frustrada. Dessa vez, sem o apoio do helicóptero, o traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, acabou escapando do esconderijo em que estava.

“Os policiais estão no seu limite. Eles trabalham com a emoção. Pela razão, ninguém saía da delegacia”, afirmou o delegado Ronaldo Oliveira, diretor do Departamento de Polícia Especializada. 

Apesar do massivo investimento que o Rio vinha recebendo em Segurança Pública, o corte de 32% no orçamento da pasta este ano agravou a crise no setor – a área perdeu R$ 2,2 bilhões dos R$ 7 bilhões previstos no início do ano.

A Polícia Civil racionou o combustível, reduziu a frota em circulação, cortou viagens para outros Estados. Nas delegacias distritais, o jeito foi tomar medidas para evitar o deslocamento. As intimações de testemunhas e suspeitos, por exemplo, passaram a ser concentradas em um ou dois dias da semana. 

A Central de Atendimento ao Usuário, que dá suporte ao policial para usar o sistema informatizado das delegacias, suspendeu o serviço. “Quando o sistema trava, você simplesmente não tem o que fazer”, diz um policial.

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Helicópteros. Os três helicópteros da Polícia Civil e dois da Polícia Militar estão em terra por causa do atraso nos contratos de manutenção. As polícias também enfrentam dificuldade para usar os oito blindados Maverick, importados da África do Sul. A manutenção desses veículos, que podem chegar a 120 km/h, subir escadas e andar inclinados, só podem ser feitas por técnicos da Paramount. “Não tem ninguém treinado aqui para consertá-los”, afirmou Ronaldo Oliveira. 

A PM disse que o Comando de Operações Especiais possui dois blindados à disposição do Bope, do Choque e do Batalhão de Ações com Cães. “É importante ressaltar que os comandos regionais têm blindados funcionando normalmente.”

A Polícia Militar também teve racionamento de combustível – cada veículo passou a ter a limitação de 30 litros diários. A carga horária no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças chegou a ser reduzida à metade por falta de alimentação. A Assembleia Legislativa do Rio teve de fazer uma doação de R$ 5 milhões “Hoje teve almoço no Centro de Policiamento de Área, mas há um mês que não serviam refeição ali”, afirmou, na quinta-feira, Vanderlei Ribeiro, presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM. 

A crise também afetou os planos de expansão das Unidades de Polícia Pacificadora. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, adiou, sem prazo, a instalação da UPP da Maré. O programa de pacificação também está em xeque, com constantes confrontos em áreas já ocupadas e o número de 49 PMs mortos neste ano.

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Ato. A Coligação dos Policiais Civis do Estado convocou para amanhã passeata na frente da Chefia de Polícia Civil. Eles cobram o pagamento em dia do Regime Adicional de Serviço, espécie de hora extra voluntária, em que os policiais se inscrevem para trabalhar no horário de folga. Também querem o pagamento integral dos vencimentos. No último mês, o governo pagou R$ 1 mil, mais a metade do que faltava para completar o salário. A outra metade não tem previsão de pagamento. 

“Os policiais estão com a vida financeira completamente desorganizada”, afirmou Fábio Neira, presidente da Colpol. “É a face mais perversa do governo, que transparece na crise. Não pararam de pagar empreiteira, continuam dando isenções fiscais, não demitem cargos comissionados. É o funcionalismo que está pagando.” 

A expectativa é de que o anúncio de liberação de R$ 2,9 bilhões pelo governo federal para a segurança dê um alívio. Mas Beltrame está cauteloso. “Não estou seguro para usar esse dinheiro. Se puder usar livremente, vou atender os servidores e cumprir contratos de manutenção de equipamentos.”

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