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Operação em São Gonçalo prende 63 PMs acusados de receber propina

22 traficantes também foram detidos; segundo investigação, eles davam dinheiros aos policiais para evitar incursões em favelas

Por Vinicius Neder
Atualização:
Todos os PMs acusados de receber propina dos traficantes são praças e foram lotados no 7º Batalhão, em São Gonçalo, entre 2014 e 2016 Foto: Fábio Motta/Estadão

RIO - Na maior operação contra a corrupção policial já realizada no Estado do Rio de Janeiro, 63 policiais e 22 traficantes foram presos nesta quinta-feira, 29. Eles são acusados de participar de um esquema de propina para favorecer bocas de fumo de São Gonçalo, na região metropolitana. O grupo foi descoberto a partir da delação premiada de um intermediário da quadrilha, no ano passado.

Ao todo, a Justiça expediu 96 mandados de prisão contra PMs e 70 contra traficantes. Além dos mandados cumpridos, houve 2 prisões em flagrante. Em 2016, 302 PMs foram presos. Neste ano, o número chega a 200, após a operação desta quinta. Os policiais militares acusados de integrarem a quadrilha estavam lotados no 7.º Batalhão (São Gonçalo). Eles agiam de forma organizada e mantinham organização hierárquica, divididos em grupos chefiados pelos chefes do esquema, informou o delegado Fábio Barucke, titular da Divisão de Homicídios de Niterói e São Gonçalo. “Extraímos de lá essas laranjas podres para fortalecer ainda mais essa instituição”, afirmou.

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Os acusados recebiam cerca de R$ 1 milhão por mês para proteger e deixar traficantes atuarem. Eles também revendiam armas e drogas apreendidas para o Comando Vermelho, além de forjar apreensões em comunidades da região metropolitana. Os agentes chegavam até a sequestrar traficantes e parentes deles quando as propinas não eram pagas e os liberavam somente quando o valor acertado era quitado. “Manda três caixas (R$ 3 mil) que a gente libera os moleques sem esculacho”, diz um dos PMs, em escuta. 

Em um dos casos, os policiais chegaram a tomar uma boca de fumo. Fizeram, então, um “saldão” das drogas, para se livrar do estoque. Também há informações de que os PMs ordenavam que os traficantes praticassem assaltos, como forma de garantir o recolhimento da propina. Para não levantar suspeitas, combinavam algumas apreensões.

Os policiais militares presos durante a Operação Calabar são levados à Cidade da Polícia, na zona norte do Rio de Janeiro Foto: Fábio Motta/Estadão

Entre os presos está o sargento André Luiz de Oliveira, que ganhou o prêmio de Policial do Ano por uma revista especializada. Ele tinha o apelido de “Sobrancelhudo” entre os traficantes e arrecadava R$ 1 mil semanais. Entre os crimes apurados praticados pelos PMs do “batalhão da propina” estão extorsão, formação de quadrilha, assalto, sequestro, venda de armas e drogas.

O esquema. Os crimes levantados pela investigação aconteceram no batalhão entre 2014 e 2016. Boa parte das informações foi obtida por meio de delação premiada oferecida a um dos integrantes do esquema. Ele foi preso durante as investigações sobre a morte de um policial militar reformado, com três armas e R$ 28 mil, que havia recolhido nas bocas de fumo para o pagamento aos policiais.

O suspeito tinha a função de ir a cada comunidade, arrecadar dinheiro e entregar aos praças. Ele ainda fazia a venda de armamentos e drogas que eram apreendidas. Em seu celular havia contatos de policiais. Ele, então, passou a colaborar com as investigações. Foi condenado a 6 anos de prisão por associação para o tráfico e está no “seguro”, uma cela separada dos demais criminosos. Pela delação, ele pode obter redução da pena ou perdão judicial.

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Ao todo, foram interceptadas cerca de 220 mil ligações telefônicas entre agentes e traficantes. Programas de reconhecimento de voz foram usados para comprovar o que o informante denunciou sobre o esquema. Os policiais também investigaram se oficiais sabiam das atividades dos praças. Ao monitorar os boletins da corporação, identificaram a transferência de 48 PMs para outros batalhões, em junho do ano passado. Isso pode indicar uma tentativa de “pulverizar” o grupo. 

Traição e morte de juíza. A Operação Calabar é uma referência a Domingos Fernandes Calabar, considerado traidor, ao se aliar aos holandeses quando estes invadiram terras brasileiras, no século 17, e reuniu 982 policiais – 582 policiais civis e 400 policiais militares. O batalhão de São Gonçalo tem cerca de 700 policiais – o número de PMs com mandado de prisão decretado nesta quinta-feira equivale a 13% do efetivo. Em 2011, a juíza Patrícia Acioli foi assassinada com 21 tiros, quando chegava a sua casa, em Niterói, no Grande Rio. Ela já havia condenado cerca de 60 agentes do 7.º BPM ligados a milícias e grupos de extermínio. Onze PMs foram condenados pelo crime, entre eles o então comandante do Batalhão de São Gonçalo, tenente-coronel Claudio Luiz Oliveira.

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