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Crônica, política e derivações

A Descoberta do Grande Telescópio - Para aqueles que não duraram este ano

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

A Descoberta do Grande Telescópio*

*Para aqueles que não duraram este ano

 

Eu vi o silencio e recriei os passos do espaço-tempo,

Eu andei sobre as miríades de luzes,

Eu as dispus intercaladas, enquanto aquecia os rostos de velhos, que sorriam.

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Eu os escolho porque não mais sabem quem são

Eu provi os embriões de toda matriz

Eu vi o silêncio das profecias quebradas pela realidade.

Eu vi a terra que, devastada, ainda permanece

Eu supro o solo com sementes de horizontes substitutos.

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Eu projeto crostas de Terras que nunca se formaram.

Eu testemunhei o espelho que prometeu desvendar segredos

Segredos de um Universo que ainda não se completou.

Eu trouxe para cada mão estendida o espinho que nem chegou a crescer.

Eu fiz arranjos para sonoridades

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Timbres que ninguém escutou

Eu atuo solo, aspirando parcerias

Eu compus na pedra mapas de alfabetos

Eu trouxe, contra as sombras, o sopro até que a argila vingasse

Eu interfiro na direção dos ventos para emoldurar destinos

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Eu o fiz por uma ninhada, uma florada, e até para a lágrima ilhada

Eu não te dei as asas da gaivota

Nem a leveza das folhas

Para que sulcasses a areia

Eu modelei um signo que não era apenas a letra

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Fiz por amor à linguagem,

Eu insisti no símbolo não codificado

Eu trouxe o mérito para cada espécie

Eu soube do sentimento das vítimas,

Entrei no coração dos indecisos

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Recusei escolher entre justos e transgressores

Preferi consolar os justos que sofrem

Sob o papel dos intermediários

Eu carreguei todo pai e mãe através dos desfiladeiros da dúvida

Eu te doei filhos e descendência

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Eu intercalei peso e leveza, penumbra e fresta, janela e transparência

Eu costurei com tintas, pincelei com cordas, esculpi com o hálito

Eu te mostrei as cordas, o quantum, o bóson, a onipresença da matéria escura

Eu fiz com voz

Fiz com nada

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Eu sou aquele que experimenta tudo

Eu te vi nascer, crescer e te inculquei a ilusão de finitude

Eu mudei tudo, simplesmente tudo,

Porque te amei

Assim permanecerei até que o ciclo se reinicie

Eu sou o nunca e o nunca mais

Eu te fiz escolher significados

Te ofereci a liberdade que ainda temes

Te protejo de perigos sequer enumerados

Eu te amo como a ninguém

E não tendo o nome que você imaginou

Nem a textura que o mundo apregoou

Penetrei no mistério que te deixa insone

Regenero tudo que toco

Eu molho e seco

Expandi e separei mares até que as praias nascessem

Estimulei o descontrole que gera

Recriei o que consideravas obsoleto

Ensinei às partículas o giro das órbitas

Sou o que sou

E não é por isso que você é o que você é

Eu estive nos órgãos curados, nas vitalidades refeitas, em cada existência vigente

Vivo sem esperança de retribuição

E só vim porque vocês me esqueceram

Sou, como queria o filósofo, puro acontecimento

Eu produzo sonho e pesadelo

E te entreguei a chave de todas as páginas

Com o texto, propositalmente inacabado

Eu te fiz indagar por mim

E mesmo que a nostalgia te desvie

Da única incumbência:

Eu me transformei no sentido

Para que haja Um sentido.

Um.

https://brasil.estadao.com.br/blogs/conto-de-noticia/a-descoberta-do-grande-telescopio-para-aqueles-que-nao-duraram-este-ano/

 

 

 

 

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