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Crônica, política e derivações

Agora Selvagem

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:


Em nossos tempos vigora uma estranha solenidade, uma cultura não explicitada e dias postergados para um momento onde tudo será resolvido à exaustão. Foto: Estadão

Os rumores são de que, ao fim e ao cabo, teremos um País mais limpo. Precisamos reforçar um aspecto da argumentação: não há um único equivalente moral para o desmonte sistemático do Brasil nos últimos 13 anos, mesmo contra o argumento -- real -- da centenária espoliação crônica. E a resposta não poderia ser a revolução histeria onde, depois da acefalia política e da terra arrasada um recomeço possível seria partir do zero, do atraso e da miséria. Colossal engano. Sim, os pactos ainda são imprescindíveis, e a base da sobrevivência política, vale dizer, do espírito político e da coesão republicana.

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Duro admitir, mas a multidão impetuosa parece repetir inconsciente o desastroso refrão do desvio: "nunca antes na história deste Pais". Quando a análise mostra que não há, e nunca houve um "nunca antes" muito menos um "nunca mais".

 Sem precedentes, as sequelas da gestão desastrosa -- que a atual tenta reparar ainda que ameaçando deslizar sob erros antigos  -- serão mais longevas do que alguém se atreve dizer. Pois não existindo a sonhada restituição integral, devemos contar apenas com ressarcimentos de superfície, indenizações injustas e um legado de divisões maliciosas na sociedade civil.

Mas mesmo que a limpeza se processasse sob denuncias, castigos e chibatadas a higiene nunca garantiu pureza, nem a inocência, caráter. Houve um método, ativo, intenso, programado e, enfim, a democracia encontra-se mais uma vez vulnerável. As instituições tensas e confusas. Mesmo que resistíssemos à tentação do reacionarismo, nada justificaria esperar tanto tempo pelos desfechos. A metáfora é auto evidente, mostra que a República vaza no naufrágio do choque de poderes, os quais trabalham contra os interesses coletivos.

O clima está formado. Mas quem, senão nós? Ou não somos nós o clima do mundo? Ou já abdicamos do controle das responsabilidades?  É esta nave uma e a mesma comum embarcação? Ou a poesia -- que jamais foi saída -- é canoa solitária? O estado de animação suspensa, no qual todo vislumbre obscurece o céu com uma dimensão que nunca pode ser contabilizada. Estamos testemunhando épocas sem lastro, homens sem direção, e exaustão de ponteiros sobrepostos.

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O retardo e/ou afobação da justiça acumula desvios dificilmente ultrapassáveis. A meta final substituiu educação por punição, ainda que nenhuma pedagogia bem sucedida poderá se basear em vingança ou penitência. Não, se realmente aspira qualquer transformação benévola. Porisso, a equanimidade é uma neutralidade ativa, uma aquisição estoica, num contexto no qual os destaques máximos são promotores, juízes e réus.

Vale dizer, quanto tempo para que a justiça desça à ação, e ao ato conclusivo?  A predação parece mais astuta que a prudência, enquanto o clamor do instantâneo vigora sobre a morosidade de uma razão que se perdeu em desmanches progressivos, ou depoimentos de palanque. Isso, enquanto o mundo acompanha uma ruptura nas comunicações: parece só existir um agora, selvagem. Toda pavimentação longa, todo edifício estruturado, e qualquer perspectiva de futuro, soterradas pelas demandas imediatas. No mundo da reatividade e do tirocínio bumerangue, o Estadista prospectivo não tem a menor chance frente ao populista sem pavio. O anti diplomata dogmático obscurecerá a eficácia da sutileza instrumental. O mal estar na cultura deslocou-se para desafios inúteis, supérfluos e insuficientes, enquanto ela, a própria cultura,  parece seguir a mesmíssima rota da política: idem ibidem.

A esperança, assim como os processos históricos, também prescreve.

Nossa sorte serão os hiatos, as frestas, as brechas dos retornos à revelia. As tendências que atendam também ou principalmente ao mundo interno. Um renascimento tardio da subjetividade. Estará viva no não alinhamento automático. Em uma novíssima rede de novas pautas. Uma nova cultura que fosse capaz de superar a infantilidade contracultural e os desafios primitivos dos embates direita-esquerda. Na recusa pacifica a toda ideologia, e numa feroz critica à toda idealização. Que seja pelo reexame da experiência de cada sujeito. Demandas que, estáveis num meio altamente instável, impõem-se como desejos ou necessidades, pouco importa.

Podemos chama-las ou não de espirituais, de qualquer forma serão atuais e vitais.

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