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Crônica, política e derivações

Memórias Bem Mais Póstumas

Machado de Assis

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:
 

Há 105 anos, morria Machado de Assis. Na edição de 30 de setembro de 1908, o 'Estado' anunciava o falecimento do literato        'primoroso, absolutamente sem par entre os escritores nacionais'

   Foto: Estadão

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADÁVER DEDICO COMO SAUDOSA

LEMBRANÇA ESTAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS

Ao leitor

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Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e

consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem

leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez.. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na

verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um

Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado.

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Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse

conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a

gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor

dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.

Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O

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melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito

contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas

Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria

curioso, mas minimamente extenso, aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar,

fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.

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Brás Cubas

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Memórias Bem Mais Póstumas

Tudo consumido, passado século e meia década, volto para dizer aos que esta é só uma penúltima comunicação antes que se suma de vez. E, sem constrangimento, peço aos leitores que esqueçam os autores, lembrem das obras.

O entendimento é retrospectivo e só agora pude realizar que não deveria ter confessado e registrado que um livro tenha uma escolha como, por exemplo, a de ser destinado para poucos. Nunca ousaria tanto elitismo, como foi o caso deste primeiro prólogo. Hoje, de onde escrevo posso estimar melhor:  um livro redigido para atrair o leitor pode apresentar evidentes vantagens. Mas os originais baseados em trabalho e autenticidade, ainda que não promovam glória, fama ou riqueza, confere ao autor a sensação, decerto injustificável, de algum dever cumprido. Isso é, melancolia, galhofa e experiência são insubmissas. Nem aí, nem aqui o cabresto lhes presta. O mundo, imagino, mudou, menos a sombra, a opinião e a risada.  A mensagem é que os finados, mesmo imortais, não mais reagem à picada do insulto, nem à alegria do elogio. Não é que tenhamos nos livrado dos críticos, nem atingido a equanimidade, nos falta um teco de presença de espírito.

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Ainda Brás Cubas

 

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