9 de novembro de 1938, Noite dos Cristais
75 anos esta noite.
É bem possível que a coerência seja escrava da amnésia. E nesta noite, num lugar nem tão distante, a astúcia do mundo virou caco. A civilização em pausa. O cristal zuniu sobre os espelhos. As vidraças convocaram a queda. A limalha cortante entrou no sangue. E a vida de irmãos, mais desta vez, foi desperdiçada em uma caçada racial. Vieram em bandos. Como bandos acobertaram-se. Como bandos beberam. Como bando gozaram, e sangraram um a um. As mesmas bandeiras que geram o ódio, gemeram as cores nacionais, sob o mesmo socialismo que assassinou a igualdade. É comum que os olhos do mundo se desviem das ignomínias. Virou dever das consciências esquecer em nome do instinto de preservação. Eis que sobreviver é mais fácil que lembrar. Explica porque somos particularmente desmemoriados quanto se trata de massacres e injustiças. Ajuda a compreender porque queremos apagar as luzes das tragédias. Entende-se que desliguem as vozes que testemunham. A razão diz que precisamos aliviar responsabilidades e a lógica explicita a inexorabilidade das coisas. Só que nenhuma palavra justifica que permaneçamos sendo considerados homens.