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Crônica, política e derivações

Liberdade para quê: nunca houve censura virtuosa.

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

Liberdade para quê: nunca houve censura virtuosa.

Paulo Rosenbaum - médico e escritor

 Foto: Estadão

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Reluto em republicar artigos e crônicas, mas existem determinadas fases que coincidem de tal forma crise e dimensão dos problemas que torna-se impossível deixar de se referir às reflexões pregressas.

A palavra censor tem várias acepções analógicas: crítico, detrator, repreensor, mas cai numa chave intitulada "Resultado do Raciocínio, de um lado, julgamento, de outro, obliquidade de julgamento. E finalmente aqueles que revelam espírito de parcialidade podem estar resumidos dentro da expressão latina "existimare unumquemque moribus suis", isto é "julgar os outros por si" ou ainda "tomar as nuvens por Juno".

Ninguém negará que a mídia precisa ser mais democrática -- e democratizada -- para incluir os sem-voz e as grandes parcelas da população ainda marginalizadas, mas o projeto em orquestração na mesa dos controladores nada tem a ver com este escopo. Sob o argumento de que as redes de comunicação operam através dos oligopólios, a proposta é substitui-la por monopólio de Estado.

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Os milionários esquemas de subsidio estatal (nas três esferas) para mídias favoráveis  e os torniquetes possíveis aplicados às outras, as rebeldes, são apenas a parte visível do jogo. O controle da imprensa significa, na prática, coibir o debate público -- já de duvidosa qualidade -- uma vez que só a liberdade de expressão e a não desinformação permitem que os cidadãos possam se posicionar para votar, investigar, cobrar e, quando for o caso, se opor ao Estado.

Missão longe do alcance de uma imprensa submissa. Como o objetivo final é a liberdade  controlada, vale dizer domesticada, a finalidade última da regulamentação é dirigir o país contando com informações selecionadas e filtradas. Neste sentido, estamos muito próximos de uma perigosa censura velada!

Só há um grau maior do que a famosa polícia do pensamento prenunciada na ficção de Orwell, trata-se da polícia da linguagem. Os jornalistas integrantes de um diário paulista aceitaram compor a obscenidade auto intitulada "Jornalistas pela censura virtuosa" com o agravante covarde do anonimato. Estes amigos de Peniche, verdadeiros sicofantas da livre expressão perderam o juízo? Eis mais uma prova de que os supremacistas do pensamento, isto é, o totalitarismo avança, e será preciso mais do que discursos ilibados. Será necessária a mais corajosa veemência para resistir a uma aberração que mimetiza razão.

Lutamos contra a ditadura e a censura para sermos amordaçados dentro das redações? Agora não se chama "censura", a novilíngua decretou que doravante chama-se "embargo" (sic). Tanto faz de qual lado virá o totalitarismo, sem um compromisso ético coletivo de repudia-lo não teremos muitas saídas. É empírico, observem a perpetuidade das ditaduras na América Latina e nos países africanos.

O primeiro interessado em deter a informação é o próprio poder. Afinal a hegemonia passa pela centralização. Mas há um produto muito além do poder em jogo quando se trata de concentrar informações. A liberdade só pode ser exercida com a aquisição do conhecimento que passa pelo exercício da crítica. Sem ela, a liberdade é uma franquia das cúpulas, dos consensos de gabinete, um slogan abstrato.

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Uma equipe eleita decide o que pode e o que não pode? A divisão de poderes foi abolida? Mas eles não foram eleitos para isso, ou foram? Isso é que não está nada claro no jogo democrático atual. As regras. Depois que se ganha a eleição tudo pode virar qualquer coisa. Para isso deveriam valer mais os direitos constitucionais do que uma hermenêutica premida de desvio de finalidade.

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Não se enganem, há uma dosimetria oculta que rege nossa liberdade. Para ser conciso: o projeto de regulamentação da imprensa (e atuais promessas de "embargo" "é, na verdade, uma ameaça direta à democracia). É urgente organizar a sociedade para que o cerceamento à livre expressão (mesmo que seja classificada como autocensura)  não encontre guarita no argumento de "controle social". Como nos faremos ouvir? Como ler jornais quando tudo estiver sob o filtro impermeável do Estado? Podemos usar o spam, a panfletagem, instrumentalizar melhor a ilusão revolucionária das redes sociais. No mundo eletrônico ocidental a censura -- sob o álibi da acusação de desinformação -- está se fazendo cada vez mais presente.

E quem dará aval para os projetos de controle estatal da mídia? O pessoal da moral e dos bons costumes? Assim, eles poderiam eleger os livros, peças, filmes e biquínis que vamos ver.  Os executivos dos partidos políticos (base aliada ou não). A explicação é simples: estão mordidos com a última pesquisa sobre a decadência e confusão que reina nos partidos. E tudo que contraria políticos é gerado na imprensa livre.

E quanto aos intelectuais e a estrutura universitária? Estão divididos entre os que são pela lealdade ideológica à oposição. Estes últimos são uma categoria em decadência, porque ninguém quer subsidiar gente isolada, muito menos premiar a autonomia. A emergência dos conservadores é uma resposta, equivocada, a uma esquerda que vem sofrendo isquemias no núcleo duro. Os auto intitulados conservadores também não funcionam, porque suas perspectivas são basicamente alimentadas de nostalgia. Sonham com uma ordem e um status quo que nunca existiu no cenário político. Nas TVs ou nos jornais notem que sempre começam com expressões de saudosismo e terminam suspirando pela volta das leis marciais.

Quanto à estrutura universitária, vale lembrar a antiga tese do filósofo José Arthur Gianotti, de que a universidade é subsidiada para não funcionar. "Funcionar" no sentido de produzir a mentalidade crítica e autocritica, que tanta falta nos faz. Claro que existem nichos que funcionam. Na base do voluntarismo e de ações sociais importantes, grandes camadas de pessoas foram resgatadas da marginalização nas últimas administrações. Não é só insuficiente. É vergonhosamente insuficiente. A educação e o investimento maciço em ensino não ousaram para além das formalidades como a de "colocar mais gente no ensino superior". Salários dos professores e estímulo à pesquisa ainda são ridículos para o nosso PIB. O processo pedagógico parou no século 19, enquanto precisávamos de inspirações do 22. Há uma fadiga generalizada no jeito de fazer e lidar com as coisas públicas.

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É evidente que tudo isso seria muito pior sem liberdade. Há candidatos que nos ameaçam com sua suspensão. Há muitos que estrategicamente calam-se diante das ameaças e agora de forma inédita levantam a voz para no lugar de contestar fazer a apologia da temporada de mordaças justificacionistas. Não parece óbvio que, sem ela, a liberdade, jamais falaríamos de tudo isso?

Aproveite para chiar agora, amanhã pode não haver segunda chance.

Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de "A Verdade Lançada ao Solo" (Ed. Record), 'Céu Subterrâneo" (Ed. Perspectiva) e "Navalhas Pendentes" (Ed. Caravana)

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