Encômio aos excelentíssimos homens e gestores públicos
Nem tudo foi dito
Mas calculado, pensado, desperdiçado,
Resta-nos apenas o espaço para renegá-los
Cansamos das desculpas, declarações, dos ditados apócrifos
Nem tudo foi dito,
Mas repisado, manipulado, esquecido
A amnésia exerce a tirania sobre o passado, recém apagado
Tua voz defende o que supúnhamos superado
Mas, não. Nem tudo foi dito
Toda epidemiologia totalitária
Todo álibi a serviço da força, da repressão
O autoritarismo, sob o justificacionismo da patologia
Retirar direitos, restrições excessivas, até capitularmos pelo pânico
Abriram-se as alas para o progresso do regresso
Tua voz pode ser sentida naqueles que esperam vaga
Ali, onde os verdadeiros abnegados agem
E no vácuo das tuas condenações
A ficha corrida com um plano Marshall de desvios
Até quando?
A auto regulação do sistema preserva o próprio
Esmaga a quem deveria servir.
É o sujeito que precisa se proteger das instituições
Inversão para bem além do paradoxo
Nem tudo foi dito, ainda.
O que precisava ser dito nos inibiria para sempre
Do palanque, da tribuna, ou das luxuosas sedes dos partidos
Constranges a vida com refrães empobrecidos
E nos conduz à longa prancha que desemboca em alto mar
Já sabemos o que vocês querem
E pensar quantas vezes concedemos nos sufrágios,
Não por empatia, medo ou inércia
Nem mesmo pelo bem comum,
Foi por pura esperança assimétrica
Agora, tardiamente, sempre é tempo para recusar
Quem pode aceitar o tecido social induzido ao esgarçamento?
Destroçado por acordos melífluos, redigidos com sarcasmo
Pautados na conveniente edição do dia anterior
Nas mídias que militam uníssonas, tanto faz para quem
Na diversidade cosmética que monopoliza a opinião pública
Através dos influenciadores do senso comum
Lemos os textos, matérias pagas, que prenunciam amanhãs
Com o injustificável apetite de quem já nem consegue abocanhar o acúmulo
Nem tudo foi dito
Mas, à tua revelia, repensado
E sobre tua sombra desenhado
De quem é a culpa pela fragorosa inépcia?
Quem fez questão de exercer mandatos?
Vossas atribuições foram usurpadas por narcisismo?
Temos castas que estão acima das sanções?
Nem tudo foi dito
Pois vai um aviso: a mordaça voltará como bumerangue
Das bocas sem voz
E caso contes com nossa vaga memória
Refaremos o trailer
Que outrora asfaltou teu poder até a vitória
Até repassar as cenas
Dos tribunais do vexame, das votações secretas, de álibis esfarrapados
Para propagar tuas anti-façanhas, de dia e de noite
Não era com o que contavas?
Pois a luta se fará nas cidades, nas montanhas,
Dentro e fora dos espaços públicos aparelhados
Nem tudo foi dito
E não estamos mais nas cercanias das cidades
Nem ilhados fora das jurisdições,
Logo desceremos aos milhões
E não será para louvá-los
Ou engrossar teu coro de idolatras
Mas para dizer não à sombra na qual mergulharam o país
Para desmentir tua sanha heroica
Ou vos parece crível nossa aceitação passiva?
Achas mesmo que compramos vossa mitômana versão de democracia?
Somos dotados de uma fibra estoica
É a necessidade inspirada na convicção
De que a liberdade é a única moeda aceitável
É com ela que propagaremos a responsabilidade
Assumiremos o que nos tem sido negado
Pois notamos que é nossa única e última atribuição.
Exclusiva, definitiva, inegavelmente nossa.
Nem tudo foi dito
Porque emancipações são partos difíceis
E as gestações costumam nascer das explosões
Avalanches irreversíveis em tempestades inesperadas
Resultados de hermenêuticas incompreensíveis.
De garantismos sustentados por jurisprudências negacionistas
É dali que nascerá a insurreição
Que paralisará a guerra pela hegemonia da linguagem
Nem tudo foi dito
Homens públicos, incompetências privadas
Tiranias exercidas por marionetes, postes ou algoritmos
E templos miméticos de injustiça que se espalham com a pompa
Das palavras, palavras, palavras, e palavras ressonantes.
Que nem com todo esforço semântico
Tornaram-se relevantes
Nem tudo foi dito, já que agora estamos com a palavra
E tua sorte foi lançada num torneio sem mérito
Nem tudo foi dito porque os ossos por ti enterrados
Ainda estalam dentro de sepulcros improvisados
É que existem crimes que só prescrevem através de canetas pegajosas
E quem sofreu continua gritando através do subsolo,
Mesmo aqueles instalados em covas bem rebocadas
Nem tudo foi dito porque, involuntariamente, tuas mãos revelarão
O que nunca deve ser pronunciado
E entregarão o sangue que te persegue
Nem tudo foi dito porque perdemos o medo
Não tememos mais o exílio
E a submissão, não é mais uma opção
Enquanto vocês simulavam ofertar liberdade
Éramos nós que lutávamos contra o arbítrio
Nem tudo foi dito porque o pesadelo nunca falha
Dura até que o sonho da pacificação se sobreponha
Acabamos de lembrar do "nós contra eles"
Dos abusos, da linguagem caricata, do desprezo
Do abandono de populações inteiras compradas com cala-boca mensais
Do represamento das insurreições com gorjetas
Da oposição fantoche
Enquanto o Estado descia
Resultados de emergências artificiais
Enquanto as reais jamais são contempladas
Para que conscientizar se é possível ordenar?
Nem tudo foi dito, é verdade, pode demorar
Mas te faremos discernir o que você nunca poderá entender
Afastaremos você e teus discípulos
Hábeis em criar anti-destinos e no culto à personalidade
E mundos nos quais as vítimas permanecem emudecidas
Por ora, estamos subjugados, mas amanhã
Amanhã podemos não te dar posse
Hoje aflitos, amanhã saberemos quem nos coagiu
E nos forçou a aceitar os injustos impostos
Hoje calados, amanhã libertados por espalhar teus erros
Nem tudo foi dito
Mas temos uma vantagem
Sabemos que, até aqui, nenhuma tortura fez a história retroceder
E tuas manobras podem terminar em nada
E apesar dos teus idolatras e dos teus enganos bem articulados
Não cederemos à decomposição, ao clamor pelo conflito
Antes, ergueremos muros sem pedras
Com as barreiras da verdade que tanto relativizas
E se nem tudo foi dito
Hoje diremos tudo, de vez, até o último fôlego.
Sem que ninguém interrompa.
E o que ao poder nunca foi dito?
Será um eco
O eco que invadirá a casa das omissões.
Para regenerá-la em ações.
E vossas digníssimas presenças
Serão as mais comemoradas ausências.