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Crônica, política e derivações

O insanável preço da neutralidade.

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Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

Nem me perguntem como. Hoje, evitei a morte ou aprendi a morrer. O que ela representa a não ser o despejo da memória? O exato momento que isso aconteceu não é preciso. Já andava com o coração abalado. O triunfo do injusto não acerta a mente, não deprime a razão, não ofusca a matéria: exaure o sentimento. Foi quando percebi que o País submergiu em um drive in 4D. Tudo parece real, mas pisamos num palco de extensão desconhecida. Num vácuo do cogito. Não penso mais em esquerda e direita. Nem em progresso, principio conservador ou centro. Nada mais me prende ou me sustenta. Abandonei os argumentos. Não valem mais nada. Não são mais essenciais ao convívio.  Com o nazismo evocado, a falsidade ideológica foi holofotizada. A farsa se consolida como discurso. Como interpretação na boca de ex-idealistas, ou na hostilidade difusa. O passado pode não sustentar o futuro, é apenas hábil em perverter o presente. A verdade, foi sendo comprimida em 600 toques. Ou comprada com anúncios pagos à vista. Estamos igualmente perdidos, mas não podemos admitir o extravio generalizado. Não podemos confessar que o cadáver que acabam de solicitar é o embalsamado corpo da sociedade. Inconcebível, mas é possível supor. Os insepultos costumam voltar e pedir justiça. Em outras circunstâncias estaríamos todos juntos quando se trata de um crime. No mesmo pé. Tomando o pulso das coisas. Agindo como sujeitos de uma República. Mas, como todo projeto foi sitiado pela grandeza, estamos impedidos de dominar os fatos que se impuseram sobre nós. A realidade excedeu o onírico. O descontrole guiou-se por pauta própria. O estado policial desceu às diligências, e a realidade de campo tornou-se ingovernável. Poder não é governo. O dinheiro subsidia a política, que, por sua vez recusa-se a deixar o posto. O País que vá à breca. E nossos corações, enfim, se inclinaram ao conforto relativista. Numa cultura hegemônica quem pode falar e ser ouvido? Se a representação está equivocada, deveríamos nos submeter a quem? Aos caprichos do vento? Levados pelas roldanas dos fenômenos? Ou aceitar que o domínio deve mesmo ficar com quem teve maior habilidade para cooptar, corromper e monitorar os demais? Neste caso, a tabela registra 1 milhão para barrar e 400 mil para faltar. E então me permito entrar em estado de duvida.

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Duvido da soberania popular, tanto quanto dos pleitos viciados. Duvido de arquivos vivos e dos queimados. Duvido de instituições que esperam o abismo para agir.

E não temos mais previsão. Nem para qual direção caminhar. Deixaremos a crise resolver a crise? Neste caso, qual seria nossa função? E se não quisermos mais ser coagidos a escolher? E se preferíssemos mudar tudo, de hora em hora? E se construíssemos uma representação sem ideologia?  E se escolhermos a equidistância segura dos dardos lançados a esmo? E se julgarmos que não devemos mais depositar nada para ninguém? E se os Sertões contivessem um conselho a ser seguido? A exaustão não é só uma escolha. Ela é o remorso da inação.

Posso, enfim, responder: renuncio.

Renuncio ao poder que discrimina. Renuncio ao contágio destrutivo. Ao tônus das ofensas. Ao desvios de finalidade. Aos postulados de vingança. As pulsões de morte vestidas como juramentos. Quando adiante alguém contar aos netos o que estamos vivenciando, que o façam antecipando: -- Perdão. Provavelmente, não conseguirão entender, mas, caso sobrevivamos, ainda carregaremos o ônus da omissão. E pagaremos -- em prestações nada suaves -- o insanável preço da neutralidade.

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