Paulo Rosenbaum
28 de abril de 2019 | 14h09
A charge antissemita publicada ontem pelo jornal norte New York Times é um divisor de águas em vários sentidos. Não somente pelo mau gosto, prerrogativa de escolhas estéticas equivocadas, mas pela provocação, o espírito que adora espalhar impensáveis malidiscências. Aprovado pela editoria, a insinuação grotesca retrata um dos vícios mais recorrentes que é universalizar a imagem do judeu como cão submisso à um presidente cego usando solidéu. Uma imagem que oscila entre a velhacaria e a manipulação.
Sim, o NYT já fez a autocritica. Sim, vieram os indevidos — pois trata-se da velha e indesculpável repetição dos dicurso de ódio travestido de coisa espirituosa progressista — pedidos de desculpas, mas depois da editoria ter aprovado a “charge” e a divulgado macicamente em mais de 100 países. Vale dizer, o perdão é tardio quando o gênio mefistotélico já deixou a garrafa. E ainda é possível ler comentários pouco iluministas classificando o recuo como obra do “lobbie judaico”, versão de antanho da orquestração de domínio do mundo. Pseudo argumento eclético usado conforme convém pela esquerda e pela direita.
O antitrumpismo e a mídia que o representa, numa espécie de associação à revelia com a extrema direita e a extrema esquerda (não muito distinto do que acontece entre nós) associa-se sem pudor à perseguição e à generalização para demonizar Israel e os judeus.
É de fato muito perturbador observar como tornou-se facil e confortável naturalizar a intolerância seletiva. Quando promovem-se campanhas desqualificadoras atacacando a associação entre minorias mais impunenemente criticáveis e os governos que acordaram e passaram a denunciar o clarísismo viés antissionista e portanto predominantemente antijudaico das mídias.
Pois sim, existem aquelas “minorias” como por exemplo o jihadismo islâmico que seguem quase intocáveis pelo estranho medo de incorrer na igualmente erronea generalizacão islamofóbica. Apenas imaginem a repercussão — e os desdobramentos de violência — se chargistas e editores escolhessem outros personagens para representar.
Como recentemente afirmou o filósofo judeu francês Alain Finkielkraut a propósito da perseguição sistemática que tem sofrido por parte da extrema esquerda:
“O engajamento vampiriza o jornalista”
E é muito mais do que isso, retira o sangue da informação decente. Trata-se de uma anemia covarde e que merece diuturna denuncia. Quem vai dando voz à cizania tem que assumir a responsabilidade: será condenado a recolher os cacos. Por sua vez, dentro de todo democrata ressentido há um sabotador. São aqueles que, por princípio. não aceitam o resultado de eleições livres a não ser que a vitória de seus preferidos esteja assegurada. Como os gregos não previram tudo, será necessário repensar e transformar a própria democracia.
Só haverá uma resposta à altura deste ato ignominioso como o que promoveu desta feita o NYT. O antes promotor de causas humanistas e intransigente defensor dos valores como justiça e equidade precisará descer da sua supremacia ideológica e da sempre infundada soberba intelectual para reaprender que a função jornalistica é nobre demais para “costurar” versões hostis para desqualificar oponentes. Muito menos promulga-las como se estivesse no escopo da ética e da decência defender causas corretas contra povos, governos ou instituições que lhes desagradem.
Algumas publicações nacionais e espanholas poderiam também pegar carona na reciclagem. Recentemente surgiu o curso “Dessensibilização catártica para jornalistas ressentidos: o segredo de como voltar a fazer um jornalismo não instrumental”. O curso começa em duas semanas e é semi presencial.
Obs- Ainda não há turma formada.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.