Em algum momento pode ter sido um recurso instrumental ímpar. Fui seu defensor intransigente. Militei a seu lado. Pesquisei para refazer os caminhos da compreensão que ele inspirava. Uma das conquistas da racionalidade contra as tentações obscurantistas. Mas, a hora chega para todos. É preciso admitir a derrota. Pode ser o único final possível quando o tudo truncado vai prevalecendo sobre a liberdade. Chega de ideologias! As análises, tomadas pelo fervor da convicção, política, religiosa, antirreligiosa, ética, estética e histórica são contagiosas. Texto e o contexto sofrem, esmagados pela pena prévia que descarregará na tinta da impressora. Ficamos sujeitos a acreditar em premissas da convicção alheia, sem que ao menos, tenham sido devidamente explicitadas.
Consideram a análise de alguém que - não importando o cenário real -- avaliza todas as ações governamentais. Aquela que considera apenas contingencial, e, talvez, até mesmo justificável, que a partir da colonização partidária do Estado algum progresso tenha sido gerado. Vale também, ainda que menos, para quem não admite um pingo de valor nesta administração federal. Algum pingo há.
A análise ideológica, confundida com sistema de notação, submetida e gerada a partir destas convicções mereceria, em nome das boas normas acadêmicas, algum tipo de reserva editorial. Sugere-se "parte envolvida", "conflito de interesse" ou apenas "cometi o voto crítico". O problema ultrapassou a política, escapou para todas as praças. Na bolsa de ideias, a objetividade foi sequestrada pelo voluntarismo partisão. A crítica virou instrumento político. A análise morre quando não se pode sustentar a crítica sem sofrer a classificação padrão, aquela que cabe no refrão da desqualificação.
É verdade, partimos de um ponto, mas a análise profissional do ideólogo não parece ter conseguido, como pediu André Gide, esquecer de todos os livros (de preferência, depois de lidos). Foi substituída pela carta de intenção: só se finca o pé onde outros já pisaram. Pode ser mais fácil, mas exatamente por isso, ceifa a originalidade, essencial na leitura do mundo. As ideologias têm levado à escravidão de filiação política, bibliográfica, de nicho e de público alvo. O viés, no lugar de evitar a cumplicidade com quem mata pela causa ou com quem mata para bloquear a causa, impulsiona o crime intelectual: endosso da opressão.
Já que a análise contemporânea desceu a isso, voltar-se aos textos e recuperar a síntese pode ser -- na mordacidade de Schopenhauer -- uma forma de protestar contra as perucas autorais.