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Crônica, política e derivações

São Paulo, Paris.

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:
 Foto: Estadão

"Não fosse a 1.ª Guerra Mundial, o centro de São Paulo poderia ser parecido ao de Paris. Ou, ao menos, ao de Buenos Aires. Isso porque o arquiteto e urbanista francês Joseph-Antoine Bouvard chegou a ser contratado - por 5 mil libras esterlinas - para repensar a organização da cidade pelo prefeito Raimundo Duprat."

 

São Paulo, Paris.

Quando Maristela abriu os olhos, estava no meio da rua e não pode acreditar, o clima, o céu, as árvores e vegetação eram as mesmas de sempre, mas não reconhecia os prédios, as casas ou os monumentos. Professora de história e moradora que sempre foi do centro de São Paulo, ela conhecia de cor as edificações e poderia contar alguma história de cada uma delas. Ou pelo menos da maioria. Ela não reconheceu os pontos de referencia aos quais se acostumara desde que seus pais mudaram para a Capital paulista em 22 de agosto de 1931.

Enquanto andava, as pessoas a olhavam e pareciam aflitas com o que viam. De fato, ela estava com a própria mão obstruindo a boca. Mas de que outro modo conteria a perplexidade? Ela então se avaliou a ver se eram seus trajes que atraiam o olhar dos curiosos. Tudo bem, ela já sabia, estava de pijama.

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-- Nunca tinham visto ninguém com roupa de dormir? Falava baixo para si mesma.

Além disso, aos 78, a decência é um conceito mais flexível. Voltou a acompanhar o sentido da grande avenida em direção ao vale do Anhangabaú e confirmou. Aquelas casas, a disposição do jardins e o trajeto. Sentiu leve tontura, sintomas que sempre tinha quando ficava perdida.

-- Não, não estou perdida! Assim que se convenceu seguiu adiante sem o cansaço estranho ou a dor no peito que relatou ao seu clínico geral.

Até que sua memória cedeu ao espírito e ela se convenceu.

-- Isso é mesmo o centro da cidade! E, sem saber como, chegou ao inacreditável. No lugar da Câmara Municipal lá estava.

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Primeiro viu a parte de concreto claro bem acima, e ao virar a esquina não se conteve. O berro pareceu de desespero, mas não era. É que não fazia a menor lógica: Arco do Triunfo.

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--E o que faz um tributo às memória militares de Napoleão bem no Centro da cidade? Ela se aproximou da entrada e a placa dizia "Arco Paulista".

As cidades mudaram muito depois que Willian Harvey e Michel Servetus descobriram que o sangue circulava. Desde lá, os arquitetos e urbanistas quiseram que a forma seguisse a função. Então, de algum epicentro que simbolizava o coração e os grandes vasos sanguíneos, passaram a sair múltiplas avenidas e corredores.

Maristela virou e prosseguiu vendo casarões franceses preservados agora subindo em direção à Avenida Paulista - e mais uma vez espantou-se com o próprio fôlego.

Ao se aproximar do fim da subida - já aceitando que sua cidade não era a mesma -- veio o medo.

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-- Tudo menos o Masp, tudo menos o Masp! Repetia-se no mantra inútil da esperança. Então suspirou entrou na avenida para confirmar: nenhum espigão, nada de arranha-céus. O corredor na avenida Paulista era um imenso parque, e, sem asfalto, carros não entravam. Parou, avaliando aquela formidável perspectiva de horizonte que sumira de toda a cidade. Maristela passou de espantada à maravilhada. Eram estados próximos, a diferença estava no humor.

Quando acordou, ligou seu computador e sentou-se para escrever um e-mail para o concurso. Ao abrir a página do site descobriu que o prazo da enquete com sugestões para melhorar a cidade havia se esgotado.

Maristela arriscou então uma ligação para a redação do Jornal que promovia o evento. Alguém atende:

-- Bonjour Madame!

 

Cada notícia têm desdobramentos. Sob a forma de conto, prosa ou crônica a exploração imaginária de um fato é a proposta de "Conto de Notícia". O link para a publicação que deu origem ao texto encontra-se acima.

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