O estímulo para agir dos lobos solitários que não se ligam a nenhuma organização vem não de uma entidade específica, mas de um grupo ainda não organizado de pessoas, que, não obstante a desorganização, compartilham determinadas crenças e visões de mundo, tornando-se, por isso, um grupo, em vez de um aglomerado de pessoas dispersas. Ninguém nasce neonazista ou ultranacionalista; são predicados que alguns sujeitos adquirem ao longo de suas vidas. E ninguém os adquire se não estiver em algum ambiente receptível ao discurso violento e preconceituoso. Nessas condições, a ação do lobo solitário que, convencido da superioridade de sua raça, por inciativa própria, ataca estrangeiros, reflete um aspecto do grupo a que pertence. Esse sujeito coletivo talvez ainda não se tenha mostrado, nem emitido comunicado por seu porta-voz, mas, não obstante, ele existe e encontra sua unidade numa determinada visão de mundo, que se revela em manifestações preconceituosas, como, por exemplo, as racistas e as homofóbicas.
Do segundo grupo de lobos solitários, temos como exemplos, dentre tantos outros, Yigal Amir, seguidor do movimento kahanista, que, em 1995, assassinou o Primeiro-Ministro israelense, Yitzhak Rabin, e todos os indivíduos que atenderam e atendem ao apelo do Estado Islâmico, feito em agosto de 2014, pelo porta-voz da organização, Abu Mohammed al-Adnani ash-Shami, de atacar não somente soldados, policiais e membros das forças de segurança, mas também qualquer cidadão canadense, norte-americano, europeu, australiano ou qualquer infiel de qualquer dos países em luta contra o Estado Islâmico.
A partir desse momento, a orientação passou, portanto, a ser esta: além de operações espetaculares, como os atentados do 11 de setembro de 2001, atos individuais. No entendimento da liderança, essas ações podem causar tanto terror, quanto as operações grandiosas e complexas, nas quais a Al-Qaida se especializou. Mais difíceis de serem previstos ou rastreados pelas forças de segurança, os atos individuais são relativamente simples, não requerem preparo com antecedência e podem ser executados a qualquer momento. Não são ações coordenadas ou sob as ordens e orientação de alguém, mas pura iniciativa de algum simpatizante da causa. Além disso, são ações que se confundem com crimes comuns. Se, por exemplo, uma pessoa for lançada por outra do alto de um prédio, cair no chão e morrer, teremos um fato que pode corresponder a um homicídio comum, com agravantes, ou a um crime de terrorismo, se esse atentado contra a vida foi motivado pelo chamamento à ação individual feito pelo porta-voz do Estado Islâmico.
Se for crime comum, submete-se à lei processual e material comum; se, no entanto, a ação for considerada terrorista, poderá haver, conforme o ordenamento jurídico, de um lado, na fase de inquérito, uma flexibilização das garantias processuais, permitindo-se que os agentes do poder público realizem atos que, num Estado de direito, não teriam validade, como, por exemplo, prisões preventivas mais longas e investigação sem controle do judiciário. De outro lado, no campo do direito material, esperam-se penas mais graves.
Para que a ação individual seja considerada uma ação terrorista é necessário, no caso do Estado Islâmico, que se prove ou se reconheça o vínculo entre a organização e o indivíduo. É mais fácil, porém, identificar o lobo solitário depois de realizado o ato, principalmente quando morrem durante a ação, do que antecipar-se a ele, conhecendo com antecedência sua identidade e sabendo quando irá atacar. Essa dificuldade pode estimular o endurecimento das leis, a flexibilização dos direitos fundamentais e a vigilância e o denuncismo entre os cidadãos, que poderão ser exortados a prestar atenção uns nos outros e a delatar qualquer comportamento suspeito. Se isso acontecer, estarão corroídas as bases de uma sociedade democrática e liberal, em que individualismo e privacidade figuram entre os valores constitutivos, e lançadas as fundações para uma sociedade autoritária e preconceituosa.