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Memória, gente e lugares

A rebelião do Corinthians contra a carteirada

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Por Edmundo Leite
Atualização:

Acuado com a punição de jogar sem torcida na Libertadores depois da morte de um jovem torcedor adversário na Bolívia, o Corinthians partiu para cima da imprensa comunicando que impediria os repórteres de acompanhar a partida contra o Millonarios no Pacaembu, já que a Confederação Sul-Americana de Futebol determinou que o jogo fosse disputado com “portões fechados”.

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A bravata provocou alguma marola, até que algumas horas depois o presidente da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (Aceesp), Luiz Ademar Júnior, comunicasse pelo twitter que tudo estava normal e que os jornalistas poderiam trabalhar sem problemas no Pacaembu.

Mas, além da bravata, o Corinthians tocou num ponto sobre o qual até agora ninguém se pronunciou: “Muitas pessoas têm carterinhas de imprensa e vão aos jogos apenas para assisti-lo. Imagine se um deles grita gol do Corinthians? O que acontecerá?”

O questionamento feito pelo advogado do Corinthians, Luis Felipe Santoro, tem fundamento. Repórteres que vão aos estádios profissionalmente para cobrir os jogos sabem e muitas vezes sofrem as conseqüências. A quantidade de torcedores no espaço reservado à imprensa é enorme. A “carteirada”, como é conhecida a prática de entrar em espaços restritos após apresentar algum tipo de credencial, é disseminada nos eventos esportivos brasileiros.

Muitos jornalistas que não trabalham com esporte tem carteirinha de alguma das associações de cronistas esportivos, entidades que tem a prerrogativa oficial de credenciar os profissionais para eventos esportivos em cada estado. Alguns justificam que tiraram para a eventualidade de serem pautados pelos veículos que trabalham para cobrir um jogo.

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Balela. Usam mesmo é para assistir aos jogos com tranqüilidade, num espaço privilegiado, sem pegar fila e sem pagar ingresso e, se der sorte, com alguma boca livre ou brindes de algum patrocinador. Isso sem contar os que têm como único vínculo com o jornalismo o parentesco ou a amizade com um profissional de imprensa.

Tem também os jornalistas que evocam a mais-valia, lembram que são trabalhadores explorados e que, já que não corretamente remunerados em seus trabalhos, pelo menos algum benefício precisam ter.

Outros, mais despudorados, dizem que a vida é assim mesmo e pronto. Mesmo tendo condições de pagar pelo ingresso, enquanto puderem vão usufruir da regalia. Independente da motivação, todos ostentam aquele indisfarçável orgulho dos que gostam de algum tipo de privilégio. O sonho é conseguir lugar num camarote VIP.

A estrilada do Corinthians contra a carteirada dos torcedores disfarçados de cronistas esportivos (e vice-versa) não é de hoje. No ano passado, um incidente fez com que o clube reclamasse da presença de torcedores na área de imprensa e a Aceesp divulgasse um comunicado pedindo que seus associados usassem a carteirinha apenas a trabalho:

“A credencial da Aceesp não serve como ingresso. O cronista esportivo não tem o direito de ir ao estádio com camisa de clube, bandeira, bermuda, entrar pelo portão da imprensa e seguir para a arquibancada. A credencial Aceesp serve apenas para os cronistas esportivos que estão trabalhando.”

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 “...Portanto, atendendo pedido feito pelos clubes, e em especial ao Corinthians, que vem se sentindo prejudicado por jornalistas que não estão trabalhando e invadem as numeradas e cadeiras cativas durante os seus jogos, pedimos a todos os cronistas esportivos que não utilizem a sua credencial como ingresso.”

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Após anos de compadrio e informalidade, a prerrogativa dos filiados às Associações de Cronistas Esportivos de terem assento garantido nos estádios, “quando em serviço”, foi regulamentada por um adendo à Lei Pelé proposto pelo senador Álvaro Dias, através da Lei 12.395, de 2011, sancionada pela presidente Dilma:

“Os profissionais credenciados pelas Associações de Cronistas Esportivos quando em serviço têm acesso a praças, estádios e ginásios desportivos em todo o território nacional, obrigando-se a ocupar locais a eles reservados pelas respectivas entidades de administração do desporto.”

O que na aparência seria uma garantia de pleno exercício de trabalho aos profissionais da imprensa esportiva é, na realidade, um daqueles cartórios como os outorgados às entidades estudantis para emitir das carteirinhas que garantem meia entrada em shows, cinemas, eventos culturais e esportivos. Mesmo que a questão tivesse de ser objeto de legislação específica, bastaria determinar às federações que garantissem o acesso e lugares específicos para os profissionais da imprensa.

Tão anacrônico quanto o termo “cronista esportivo” é o monopólio cartorial das associações do tipo. Mesmo um repórter de outra área que for pautado para cobrir um evento esportivo, e que não for filiado, precisa passar pelo cartório das credenciais, quando o natural seria requisitar o credenciamento eventual para a respectiva federação do esporte responsável pela organização do campeonato.

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Pressupondo que todos os seus membros são jornalistas (favoráveis, à transparência, portanto) as associações de cronistas esportivos poderiam aproveitar o questionamento corintiano para colocar em seus sites a lista com o nome de todos os seus associados, veículos para os quais trabalham, jogos para os quais se credenciaram, bem como outras tantas informações - como a arrecadação com a emissão de carteirinhas e outras fonte de renda -hoje tão facilmente publicáveis na internet. Coisa simples, ainda mais quando feita por profissionais do ramo.

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