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No Alemão, escola é 'escudo' em confrontos entre PM e tráfico

Desde que base de UPP foi instalada no terreno do colégio estadual, em 2011, número de alunos caiu de 1300 para 700

Por Carina Bacelar
Atualização:

Os tiroteios são tão presentes quanto as próprias aulas na rotina dos alunos do Centro de Atenção Integral à Criança (Caic)Theóphilo Souza Pinto, em Nova Brasília, uma das favelas do Complexo do Alemão. Na fachada, o próprio nome da escola, da rede de ensino do governo do Estado do Rio, está cercado por dezenas de marcas de projéteis. Com uma base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) funcionando em seu terreno, a escola perdeu quase metade dos alunos desde 2011, quando passou a estar na linha de tiro entre policiais militares e traficantes de drogas.

Marcas de balas chamam a atenção de quem olha para letreiro com o nome da escola (Carina Bacelar/O Estado de S. Paulo) Foto: Estadão

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"Perdi muitos alunos. Em 2009, eu tinha apenas 300. Cheguei a ter 1.300 em 2011. Hoje são quase 700", disse a diretora Tânia Salazar. Segundo ela, em 2014, a escola perdeu as turmas de ensino fundamental, mas a evasão é atribuída aos conflitos, já que a grande maioria dos estudantes do Theóphilo Souza Pinto cursa o ensino médio.

A sala da diretora tem uma das paredes esburacada por vários tiros. Ela procura esconder as marcas com borboletas de plástico e flores. Tânia conta que a maior evasão ocorreu no período da noite (o colégio funciona em três turnos). "A maioria dos alunos mora em área de conflito", afirmou Tânia, que há seis anos dirige a escola, fundada há 15 anos e que emprega cerca de 60 professores.

Segundo relatos de professores, alunos e da própria diretora, ouvidos por deputados das Comissões de Direitos Humanos e de Educação da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (22), os PMs costumam entrar na escola e usar as instalações como "trincheiras" durante os conflitos com o tráfico. Desde que os confrontos recentes no Alemão viraram destaque na mídia, os policiais deram uma "maneirada", nas palavras da diretora, e evitam abordar alunos e entrar na escola. Todos os projetos sociais que funcionavam no colégio estão parados desde 2011 por causa da violência.

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Na parede da sala da diretoria, borboletas e flores de plástico "escondem" as marcas dos tiros (Carina Bacelar/O Estado de S. Paulo) Foto: Estadão

"A gente serve de escudo", disse um estudante do 3º ano do ensino médio, que pediu para não ser identificado. "Os envolvidos com o tráfico não vão atirar para cá porque eles têm parentes que estudam aqui. Os policiais fazem muitas ações às 18h, que é horário de saída da escola", disse o aluno, de 21 anos.

Nascido e criado no Alemão, ele conta ter sido alvo de abordagem violenta da PM dentro do pátio da escola, ao usar uma gíria do tráfico, reproduzida pelos moradores da favela. "O policial falou que eu era um olheiro." Alunos que filmavam a abordagem disseram ter sido ameaçados pelos PMs no momento em que algemavam o colega. "Que resistência ele oferecia uniformizado e de mochila nas costas?", questionou um amigo do estudante.

Perto da sala do grêmio estudantil, uma janela foi quebrada por tiro (Carina Bacelar/O Estado de S. Paulo) Foto: Estadão

"Estão esperando uma tragédia acontecer ali", disse o professor de história André Climaco, de 41 anos. Ele lecionou na escola entre abril e julho de 2013. Hoje no Colégio Estadual Tim Lopes, considerado o melhor do Alemão, ele defende que a violência seja tema de debates em sala de aula. "Quando eles (os alunos) reagem, não é pelo que eu falo, é uma situação de autodefesa."

"Ano passado fizemos uma reunião com todas as escolas do entorno para discutir essa questão da violência e estamos conversando com a Secretaria Estadual de Educação", declarou a diretora regional pedagógica Elizângela Lima, responsável pela Metropolitana III, a região administrativa onde fica o colégio.

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