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Jornalismo de Reflexão

A volta por cima da Reforma Psiquiátrica

Por Morris Kachani
Atualização:

O governo Bolsonaro faz com a saúde mental e com a saúde o mesmo que está fazendo com a Amazônia. Há um desmonte da política pública. Porém, os 30 anos de experiência de Reforma Psiquiátrica não foram à toa; existe no Brasil uma potência de recuperação extraordinária.

"Sou reservadamente otimista em relação ao Brasil porque a gente levou um soco no queixo e isso durou esses anos, mas agora, se você para para pensar, acontecem no Brasil coisas muito poderosas", afirma Benilton Bezerra Jr.

Assista à entrevista completa:

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Psicanalista e psiquiatra, que atuou na implantação e desenvolvimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, iniciado na década de 80, e foi professor durante mais de 30 anos em Saúde Coletiva da UERJ, tendo publicado e organizado diversos livros na área, Benilton acredita que "o surgimento dos movimentos identitários, desses territórios que não existiam com essa força em 2018, é um advento curioso e quase paradoxal porque a gente está mais massacrado. Negros, mulheres, indígenas, esses grupos são alvos de ataque, de violência inclusive; o país é o que mais mata população LGBTQIA+ por exemplo. Mas estamos vendo o surgimento de bancadas, de pessoas desses territórios que estão adentrando o legislativo, por conta das políticas feitas anteriormente, adentrando as universidades, e saem como pessoas que vão ter influência na sociedade".

"Então, se a gente pensa na recuperação de um mínimo horizonte civilizado com o convívio social, a gente vai poder recuperar, o que antes vinha sendo feito com muito sucesso e com o aprendizado desses últimos anos".

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Os temas em torno dos quais Benilton trabalha incluem história dos processos de subjetivação, ética e clínica em saúde mental, reforma psiquiátrica no Brasil, neurociências e psicanálise, psicopatologia na contemporaneidade.

Nesta entrevista, o psicanalista e psiquiatra traça um painel sobre a história da psicopatologia no mundo e no Brasil, com ênfase ao boom da hipermedicalização e a desigualdade social.

"Na verdade, o que a gente chama de loucura, doença mental, transtorno etc., é inerente à condição humana. Em qualquer forma de cultura, em qualquer agrupamento social, em qualquer mundo imaginário, as pessoas vão sofrer de maneira profunda, intensa. Então, hoje o que chamamos de patologia, sempre existiu. Nem sempre a loucura foi chamada de patologia".

"O campo das relações subjetivas impacta o cérebro. Mas não só. Uma pessoa no meio da pandemia começa a ficar deprimida, desanimada com o futuro, com pensamentos suicidas - e os suicídios explodiram com a pandemia -, você pergunta: onde é que está a causa disso? Não pode estar apenas no corpo. Está no mundo ao redor que inflige ao corpo uma pressão, uma imposição que ele não consegue dar conta".

"A gente está mal porque a vida não está bem por circunstâncias passadas, atuais ou pelo pânico do futuro; isso altera o funcionamento biológico".

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"Os remédios são muito importantes, mas não é uma questão de optar entre o biológico e o psicológico. A gente não vive isolado. O cérebro não está no vácuo, o cérebro só existe dentro de um organismo e o organismo também não está no vácuo. Ele só existe num campo relacional entre pessoas, num campo onde a pessoa tem um lugar no mundo ou não tem. Num país como o Brasil, é difícil ser pobre, miserável. Num lugar como o Brasil, o horizonte dessa pessoa é restrito. Isso é quase uma condenação em vida a ele, aquela experiência de miséria. Tudo isso é que compõe essa tensão tóxica".

"Então, todo mundo fica dando o diagnóstico dos outros e de si próprio. Todo mundo fica tentando achar como resolve rapidinho o seu problema de luto, porque não pode perder uma semana de trabalho. É uma espécie de tsunami que vai fazendo da medicalização da vida, da patologização do sofrimento, uma realidade. Ou seja, a gente está se acostumando e isso é muito ruim. A gente está se acostumando a pensar que qualquer sofrimento é sinal de psicopatologia. Quando eu digo eu estou deprimido, a tristeza vira alvo de internação. E não deveria ser assim. A gente deveria ter a capacidade de compreender. Como diz o Guimarães Rosa, a vida é assim".

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