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Jornalismo de Reflexão

Padre Júlio Lancellotti: "Nosso povo está sendo crucificado"

Por Morris Kachani
Atualização:

"Deus entra na dor e no amor. O que o Papa Francisco falou no Vaticano me tocou profundamente. Deus hoje está precisando de respirador, não conseguiu ser vacinado, está sufocado, está com fome, está desempregado, Deus está abandonado porque ele está lá embaixo junto dos que sofrem. O povo da rua é a imagem mais perfeita de Deus, desprezado, esquecido, abandonado"

Assista à entrevista: https://youtu.be/XVxLztsCS_I

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"Jesus não se identifica com nenhum outro grupo social. Ele se identifica com os 'descartados', isso está escrito na Bíblia. O nosso povo está sendo crucificado, somos um país que está com mais de 300 mil mortos, com um número impressionante de pessoas infectadas"

"Ser religioso não é garantia de ser 'humano'. Muita gente usa a religião, esses que estão mostrando impiedade, falta de empatia, falta de misericórdia, prepotência, defesa de porte armas, negacionismo, terraplanismo. ".

Entrevista com o Padre Júlio Lancelotti, vigário episcopal da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo

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"Olha, o que nós vemos por um lado é um aumento muito grande do número de pessoas que estão na rua. E esse aumento revela o número de mulheres e consequentemente o número de crianças, o número de grupos LGBTQI+, muitas mulheres trans e o jovens. Estão circulando em busca de alguma resposta, eles estão circulando por uma resposta que é um chinelo, uma roupa, um olhar, que é comida, remédio, água. Aquilo que mais pulsa é sobreviver"

"Para você ter uma ideia, em um "espaço de convivência" em convênio com uma entidade social, com o qual eu tenho muita ligação, passavam por lá antes da pandemia por mês 4 mil pessoas. E após o início da pandemia passam por mês 8 mil pessoas"

"Se você for hoje na Praça Princesa Isabel, você vai levar um susto da multidão de pessoas abaixo do baixo da linha da pobreza, que não tem acesso a nada. A linha da miséria estabelecida pelos economistas é de você ter de 1 a 5 dólares de renda. Eles não têm nenhum dólar. Então hoje eu ouço isso muitas vezes, 'padre, a única roupa que eu tenho é essa que está no meu corpo, se essa roupa cair de tento usar, eu não tenho outra'".

"Com a pandemia a nossa forma de conviver com eles mudou, tem que ter álcool gel, algumas vezes tem a medição de temperatura, a gente tem que ver se há algum sinal, todos têm que estar de máscara. E quando eles estão de máscara a comunicação é toda visual, é toda pelo olhar, eles ficam muito admirados quando você fixa os olhos neles. O olhar é uma forma de comunicação que provoca uma resposta. Mesmo que seja uma resposta negativa, mas é muito forte"

"Eles percebem muito quando alguém está com medo deles, e o medo não faz você 'olhar', você só enxerga eles, você não comunica o olhar. Eles são muito sensíveis"

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"Os que estão dormindo nos cemitérios, os que não encontram lugar para dormir, os que não aguentam mais dormir na rua, os olhos assustados, os olhos que choram... Me toca muito quando eles dizem 'você é da nossa família, padre'".

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"A nossa sociedade é muito feita de bolhas. Agora, o que eu tenho percebido nesses dias é uma grande sensibilização com a questão da fome. Movimento de artistas, intelectuais, pessoas que têm visibilidade e que estão chamando muita atenção para isso. Nós estamos vivendo também uma pandemia da fome"

"O ódio mostrou a cara de uma maneira descarada. Eu senti na pele muito fortemente essa retórica porque é uma tática que não discute o conteúdo, ela desqualifica o interlocutor. É porque nós vivemos em uma sociedade, uma cultura muito desigual. A desigualdade é geradora do ódio porque o outro te ameaça. Uma sociedade como a nossa, patrimonialista, meritocrática, é uma estrutura de desprezo, de competição e eu vejo no dia a dia o ódio que as pessoas têm porque o morador de rua está na calçada. Aí vem aquela situação da privatização do espaço público, das pedras embaixo da ponte"

"Você acha que os consumidores de cocaína estão todos nas ruas? Que nos condomínios de luxo em São Paulo não se usa droga? A questão da droga não é privilégio da população de rua"

"Se tem gente com fome a seu lado, dê de comer".

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