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Jornalismo de Reflexão

Marina Silva: "Pressão internacional pode trazer benefícios para o meio ambiente"

Além de ministra do Meio Ambiente, Marina Silva também foi candidata à presidência da República em 2014 e 2018

Por Morris Kachani
Atualização:

Por Victória Damasceno

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"Eu gosto de fazer uma metáfora de que Dilma colocou uma porção de cal, Temer uma pá de cal e Bolsonaro está dando o tiro de misericórdia." É assim que a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, descreve a gestão de políticas ambientais do Brasil dos últimos anos. Mesmo com sérias críticas à gestão Dilma e Temer, se reuniu em maio deste ano com sete ex-ministros Meio Ambiente de todos os governos desde Itamar Franco, com o intuito de criticar as políticas adotadas pelo atual chefe da pasta Ricardo Salles. 

Para ela, o governo Bolsonaro joga ao lado de atores que todos os ministros historicamente lutaram contra, em maior ou menor escala. "Todos os agentes de proteção e uso sustentável do meio ambiente foram transformados em inimigos", afirma. 

A surpresa maior é a possibilidade de extinção do Fundo Amazônia, no qual foi uma das criadoras quando era parte da gestão Lula. A ameaça vem do entrave entre o governo e os principais países mantenedores, Alemanha e Noruega, que protestaram quando o ministro Ricardo Salles afirmou haver "inconsistências" no trabalho da equipe gestora do Fundo, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Suas auditorias, consideradas rigorosas, nunca detectaram qualquer irregularidade. 

"Há uma política de prensa do Fundo Amazônia. Desconstruí-lo é um sinal de que não temos uma política ambiental hoje", conclui.

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O desmatamento da Amazônia vive uma tendência de crescimento depois de anos de regressão. A comparação de junho desse ano com o mesmo mês no ano passado, revela um aumento de 88% no mesmo período. Como se explica essa queda no combate ao desmatamento?

Estamos indo para uma situação que foge do controle. O desmatamento está crescendo desde 2013, mas o aumento significativo que levou 2017 e 2018 a serem os anos de maior crescimento em uma década é resultado do discurso do governo desde a corrida presidencial. Durante a campanha o atual presidente sinalizava que se eleito iria flexibilizar a fiscalização. Essa colocação fez com que o desmatamento aumentasse mesmo antes desse governo assumir. Além disso, não há sinal de fortalecimento do sistema de conservação. Pelo contrário, fiscais e órgãos de controle e comando estão sendo vulnerabilizados por um processo de desconstrução institucional, política e simbólica. 

E quais prejuízos isso pode gerar para o Brasil?

Isso gera prejuízos ambientais, sociais e prejudica os interesses econômicos brasileiros, como no caso do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Do ponto de vista ambiental, há a emissão de CO2 que aumenta a temperatura da terra. Existe a possibilidade de criação de maiores estresses hídricos, como os que vivemos em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Amazônia é a grande responsável pela maior parte do regime de chuvas brasileiro. Isso prejudica o agricultura, devido à escassez de chuvas. Do ponto de vista econômico pode prejudicar as exportações, pois o agronegócio começa a ser visto internacionalmente como aquele que consegue altos índices de produção em função da exploração predatória dos biomas brasileiros. Institucionalmente há o desmonte de políticas construídas há anos por diferentes governos. 

Você citou o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. O ministro do meio ambiente da França, François de Rugy, disse que o acordo só será ratificado se o Brasil respeitar seus compromissos relativos à sustentabilidade, principalmente referente à preservação da Amazônia. A pressão internacional em prol do combate ao desmatamento pode gerar benefícios positivos para a preservação do meio ambiente?

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O acordo não será ratificado se o governo continuar com as práticas e com o discurso de que não vai respeitar o compromisso brasileiro de combater o desmatamento. A pressão pode trazer benefícios à medida que o agronegócio se sentir ameaçado. No início do governo, o Ministério do Meio Ambiente só não foi extinto porque o próprio setor se contrapôs, pois isso poderia prejudicar suas exportações para o mercado europeu que tem exigências relacionadas à sustentabilidade e isso poderia gerar algum prejuízo.

Amenizar o discurso na mesa de negociação e voltar para casa sem mudar as práticas não será suficiente

Nós estamos diante de um processo que possui requisitos ambientais. Amenizar o discurso na mesa de negociação e voltar para casa sem mudar as práticas não será suficiente. 

A senhora é uma das criadoras do Fundo Amazônia. O atual ministro do meio ambiente e os principais mantenedores, Noruega e Alemanha, assumiram a possibilidade de extinção do Fundo devido à impasses entre o governo e os países. O que significa o fim do Fundo Amazônia?

Há uma política de prensa do Fundo Amazônia. Desconstruí-lo é um sinal de que não temos uma política ambiental hoje. Isso representa um grande prejuízo para a proteção do meio ambiente, para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e para a gestão ambiental como um todo. As declarações de que o dinheiro será usado para indenizar quem tem propriedades em unidades de conservação ignoram o objetivo do Fundo. As acusações de que o fundo é mal gerido é uma falácia desconstruída pelos governos alemão e norueguês, que são rigorosos na prestação de contas. No início, eles lutaram para que o dinheiro fosse gerido pelo Banco Mundial e nós para que fosse internalizado pelo BNDES. Todos os regramentos foram concebidos com rigor, e a ideia de ter mecanismos de gestão que assegurem controle e a participação dos doadores é fundamental. 

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E você acha que isso pode ser um indicativo de saída do Acordo de Paris?

Formalmente o governo recuou, mas está saindo na prática. Ser parte do acordo significa que o país assumiu metas e compromissos para serem cumpridos. Nós temos metas de redução do CO2 que concerne a indústria, a agricultura e a energia. Tem o compromisso de levar o desmatamento a zero até 2030. O Brasil é o país que reúne as melhores condições para cumprir suas determinações, pois tem uma matriz energética com condições de se ampliar de forma limpa, segura e renovável. Nós estamos voltando para o tempo que ao invés de liderar nós estamos sendo cobrados. As pessoas estão perdendo até o zelo pela função do presidente da República que é ter pelo menos algum resquício de estadista.

Desde o início da gestão Bolsonaro o governo aprovou 239 novos produtos agrotóxicos. A justificativa é de que se for considerar a área cultivada, o tamanho da produção e a média de produtividade, o Brasil ainda está em uma situação confortável em relação ao seu uso. Como a senhora enxerga essa relação de números absolutos e proporcionais no uso de agrotóxicos?

A análise deve ser qualitativa, e não quantitativa. Boa parte desses agrotóxicos que foram liberados no Brasil  foram banidos nos Estados Unidos, na Europa e em várias regiões do mundo há muito tempo. Devemos usar como exemplo países que possuem um controle maior do ponto de vista do cuidado ambiental e do cuidado com a saúde das pessoas.

Boa parte dos agrotóxicos liberados no Brasil foram banidos em várias regiões do mundo há muito tempo

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Colocam em comparação a saúde de europeus com a de brasileiros, como se tivéssemos uma biologia mais forte. Fazer essa métrica em um país com fragilidades na saúde pública, no saneamento básico e na segurança no trabalho para a maioria de trabalhadores agricultores sem qualificar os produtos que são liberados é um total desrespeito com a saúde das pessoas. 

O presidente apresentou a perspectiva do governo da exploração econômica da amazônia, ao lado da possibilidade de mineração na Renca. Quais os riscos de autorizar esse tipo de exploração?

A Amazônia não pode ter o mesmo destino que tiveram os outros biomas brasileiros. Hoje só resta 7% da Mata Atlântica devido a exploração desenfreada. Se a Amazônia for destruída na mesma proporção, a porção sudeste e centro-oeste do País vira um deserto. Para justificar, desqualificam dados do Inpe, que tem série histórica de anos no monitoramento do desmatamento, é internacionalmente respeitado e está sendo acusado de manipular dados. Quem faz isso é quem ideologicamente manipula uma realidade para desconstruir uma instituição pública com capacidade técnica de produzir informações para políticas de controle e prevenção do desmatamento. 

Você saiu do governo Lula devido a um entrave com o Ministério da Agricultura. Qual o impacto das ações do Ministério do Meio Ambiente estarem alinhadas com o Ministério da Agricultura?

O Ministério do Meio Ambiente é casado com o Ministério da Agricultura. A agenda que está sendo implementada é uma em que ministros do meio ambiente em diferentes governos lutaram conta. Hoje não há política ambiental. Os ambientalistas, servidores do ministério e do Ibama são tratados como inimigos.

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Todos os agentes de proteção e uso sustentável do meio ambiente foram transformados em inimigos

A imprensa que cobre a área de meio ambiente é inimiga. O cientistas que trazem os dados de realidade sobre mudanças climáticas e os economistas que dizem que o Brasil não pode praticar dumping ambiental são inimigos. Todos os agentes de proteção e uso sustentável do meio ambiente foram transformados em inimigos. 

A senhora disse que o desmatamento da Amazônia voltou a crescer em 2013. Quais erros levaram o governo Dilma e Temer a esta nova tendência de crescimento?

Desde o governo Dilma há um processo de arrefecimento na implantação do Plano de Combate ao Desmatamento. Eu gosto de fazer uma metáfora de que Dilma colocou uma porção de cal, Temer uma pá de cal e Bolsonaro está dando o tiro de misericórdia.

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