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Jornalismo de Reflexão

Tereza Campello: por um auxílio emergencial de 600 reais, e que dure o tempo que o isolamento social for necessário

Por Morris Kachani
Atualização:

"R$600 é uma cesta básica, não podia ser abaixo disso em nenhuma hipótese. Hoje tem um monte de estudos de várias universidades mostrando que se não fosse o auxílio emergencial o PIB teria caído o dobro e se o PIB tivesse caído o dobro a relação entre PIB e dívida teria sido pior"

Assista à entrevista: https://youtu.be/2MauO-XqguE

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No não tão longínquo ano de 2014, o Brasil comemorava um feito histórico. Finalmente, a exclusão do país do Mapa da Fome, organizado pela ONU, haviachegado. Quem imaginaria que 7 anos depois, estaríamos regredindo a patamares comparáveis aos anos 80, com quase 20 milhões de brasileiros passando fome aqui e agora, e mais da metade da população (55%) vivendo um contexto mais amplo de insegurança alimentar? Uma estatística que poderia ser atribuída à condução errática da crise sanitária, mas certamente não só. Desde já o valor do auxílio emergencial deveria ser retomado para 600 reais, e utilizar unicamente o argumento sobre responsabilidade fiscal para oferecer menos $ ou nenhum, em um país rico como o nosso, é terraplanismo, na opinião de Tereza Campello, doutora em saúde pública pela Fiocruz, ex-ministra do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome dos governos Dilma, articuladora do programa Brasil sem Miséria e cocriadora do Bolsa Família.

 

 

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"Uma criança que não se alimenta adequadamente por um período relativamente prolongado - que é o que aconteceu nesses últimos três meses -, se for uma criança com mais de 4 meses ela já entre em situação de desnutrição grave, o que significa que ela vai ter o desenvolvimento dela comprometido. A criança, quando ela passa a ter uma desnutrição crônica, os órgãos dela não crescem. Ela fica com a estatura baixa. O pulmão dela não se desenvolve, os ossos não se desenvolvem e o cérebro também não se desenvolve"

"O que estabelecemos no Brasil e que fez uma diferença enorme é que a merenda tinha que ser comida. Então a criança chegava [na escola], recebia um lanche de café da manhã e antes de voltar para casa ela almoçava. Esse almoço às vezes era a única refeição dela. Era um prato de arroz e feijão, carne, frango ou pescado, um chuchu ou uma abobrinha. Era uma coisa variada. Às vezes a criança chegava em casa e comia um macarrão instantâneo, o que não é bom para a saúde, mas pelo menos uma parte do dia ela estava protegida na escola. Na pandemia, com as escolas fechadas, não mais"

"O Brasil é um país muito rico. (...) O Brasil tem solo, tem clima, tem terra suficiente, inclusive não precisaria desmatar nem um pé de árvore mais para poder expandir sua produção. O Brasil é hoje uma referência mundial em agricultura de países quentes. Mas a população não tem acesso ao alimento. Então não é falta de capacidade produtiva, não é falta de tecnologia, de ciência, de conhecimento ou de "dotes" da natureza, é falta de acesso ao alimento porque a população não tem renda. Como é que a gente conseguiu reverter a situação? Exatamente porque a população passou a ter acesso à renda"

"A gente destaca quatro coisas para a população ter acesso à renda: um é o aumento e valorização do salário mínimo - o salário mínimo entre 2003 e 2015 aumentou 74% acima da inflação -, dois são os empregos formais, três é o Bolsa Família e os programas de transferência de renda e quatro é o fortalecimento da agricultura familiar. A renda no campo cresceu muito mais do que a renda urbana, na última década"

"Em 2014, quando o Brasil saiu do Mapa da Fome, a gente vivia no país uma taxa de desemprego de menos de 6%, algo que os economistas acabam chamando de pleno emprego. E o Bolsa Família completava esse salário para que a família pudesse comprar uma verdura, uma carne, uma fruta. Se a gente atualizasse o Bolsa Família de 2014 até hoje, ele estaria equivalendo R$340 e ele continua em R$190 em média"

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"Em fevereiro do ano passado a Covid-19 nem tinha chegado de fato no Brasil e já tinham 12 milhões de desempregados, hoje está em 14 milhões. Tinha aumentado muito a parcela da população brasileira adulta em subocupações e na informalidade, portanto ganhando menos do que ganhava antes. Tinha muita gente sem trabalhar e quem estava trabalhando ganhava bem menos. Caiu a renda da população, o Bolsa Família estava congelado e as políticas para agricultura familiar e a merenda escolar também ficaram congeladas"

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

"Eu defendi muito o auxílio emergencial, inclusive uma parte da legislação que acabou sendo aprovada eu ajudei a redigir em fevereiro. O governo atrasou muito a entrada do auxílio emergencial e ele tinha três objetivos, sendo que o principal deles não foi cumprido. O segundo objetivo era garantir a segurança alimentar, mas o primeiro objetivo era uma medida de saúde pública, de estímulo ao isolamento, como aconteceu em vários outros países. Para que você dá o dinheiro? Para não precisar sair de casa. Quando você dá o auxílio emergencial e ao mesmo tempo diz 'vá para a rua', você dá sinais trocados para a população"

"É uma situação dramática, as pessoas não têm poupança, elas não têm um dinheirinho guardado se ficarem seis meses sem trabalhar para comprar o básico arroz e feijão. As pessoas estão vivendo de algum apoio ou a grande maioria vivendo à base da farinha e pão"

"Os empresários não têm que discutir se "abre o comércio", eles têm que discutir a "vacina já".

Tinha que haver uma grande pressão para a vacinação acontecer [mais rápido], é isso que vai retomar a economia"

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"Por que o Brasil vive em solavanco? Porque ele tem um nível de desigualdade que impede a sociedade de avançar de forma minimamente sustentável"

"A população miserável no Brasil são 73% negros, 60% estão no Nordeste, 40% têm menos de 14 anos de idade"

"Se não fosse o Estado a gente estava acabado. O Brasil só não está pior porque o Estado não tinha sido destruído ainda, o Brasil só não está pior porque tinha o SUS, o Brasil só não está pior porque tinha o Bolsa Família. Onde as coisas funcionaram é onde o Estado ainda estava minimamente estruturado"

"Foi o Estado que permitiu que as empresas não quebrassem na Europa, nos EUA, que garantiram o auxílio emergencial, que salvaram vidas e empresas também"

"Sinceramente eu não estou nem aí se vai subir a popularidade do Bolsonaro ou não, com auxílio emergencial. O que eu sei é que nós não vamos sair dessa situação com o auxílio emergencial que está em vigência e só chegou agora".

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