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Por um Fla-Flu bem jogado

Ingenuidade desejada

Quem pode culpar o sujeito por desesperar-se quando avista tramoias claramente engendradas para impedir o fim de um ciclo tão perverso?

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Por Mario Vitor Rodrigues
Atualização:

Arquivo: internet Foto: Estadão

 

--  Aquela conversa é muito comum em Brasília, poderia ter acontecido a qualquer momento, ter sido travada por qualquer um -- ouvi na quinta-feira passada de uma fonte enfronhada nas coisas da capital federal. A dita-cuja garantiu-me ainda que, se prestássemos atenção no célebre diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado, perceberíamos que nada há de verdadeiramente grave ali, além de medo e ansiedade.

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O papo continuou, quis saber sua opinião sobre o desenrolar dos processos no Supremo, se a Lava-Jato corria realmente riscos de ser açoitada pelo tribunal derradeiro, mas não fui atendido de imediato. Antes, um singelo comentário sobre Deltan Dallagnol:

-- Quem o Deltan está achando que é? Ele pensa que vai intimidar os políticos? Que vai encurralar o Supremo?

Nem sequer pensei em responder, sabia que se tratava de uma pergunta retórica, tanto pelo ritmo da fala, quanto pelo fato de aquela ser uma crítica recorrente em nossas conversas. Vale dizer, se antes o queixume direcionado ao coordenador da força-tarefa da Lava-Jato vinha de políticos encalacrados, advogados de defesa e militantes em estado de negação, hoje em dia não é raro escutá-lo de bons articuladores.

Alegam, esses últimos, que o procurador perdeu-se no próprio personagem. Reclamam do tom messiânico em seus discursos e alegam que, embora sua verve não falhe na hora de deslumbrar convertidos, acaba funcionando como combustível para contra-ataques dos investigados.

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Concordo com tudo, apesar de me parecer óbvio que Deltan está longe de ser o maior dos nossos pesadelos, mas, e então, a Lava-Jato corre risco?, insisti.

-- O que as pessoas querem? Que políticos permaneçam presos por conta de um julgamento em primeira instância? Vejamos esse caso do José Dirceu, por exemplo. Se ele for condenado em segunda instância, volta para a cadeia e não sai mais. E aí? Qual é o problema? A questão do Gilmar não é a sua atuação como juiz, mas o falatório na mídia. Ele é político? Quem ali não é? De resto, se formos analisar a atuação do STF dessa forma, uma hora achando bom por ter prendido fulano, outra hora criticando porque soltou beltrano, sempre ficaremos nessa montanha-russa, sem nem saber direito o que pensar.

Ser brasileiro não é mesmo tarefa fácil. Instados a viver sob uma névoa de contradições éticas, desde cedo aprendemos que desconfiar é sinal de sabedoria, e que acreditar cegamente é para os amadores. Quanto aos escândalos na esfera política, convenhamos, embora tenham atingido um patamar inaudito de ganância e sordidez, não vêm de agora. Assim como não são raros aqueles tidos como inofensivos, muito embora diários, administrados com cinismo e camaradagem pelas esquinas do país.

Posto o cenário descrito acima, fica a pergunta: quem pode culpar o sujeito por desesperar-se quando avista tramoias claramente engendradas para impedir o fim de um ciclo tão perverso?

Desligamos pouco depois e, como sempre acontece após nossas conversas, fiquei com uma sensação agridoce. Em primeiro, pela certeza de novamente ter passado recibo de ingênuo. Como se meus medos não tivessem razão de ser, uma vez que o jogo político tem velocidade própria e, portanto, os ignora solenemente. Depois, pela esperança passada de que os vários Gilmares e Toffolis não sejam tão poderosos assim.

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Honestamente? Tomara.

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