Suicídios a partir de plataformas das estações não é um fato recente no Japão, mas me chamaram atenção as medidas de prevenção adotadas pela Japan Railways. Orientada por psicólogos, instalou luzes suaves em tom de azul que teriam um efeito tranquilizante e poderiam afetar o estado mental de quem pretendesse abandonar a vida.
Também foram colocados espelhos no lado oposto à plataforma. Diante do próprio olhar, do próprio rosto, a pessoa poderia desistir do ato. Parte dessas informações está no meio de um artigo do International Herald Tribune sobre a superlotação nos trens de Tóquio, reproduzido esta semana no Estado de S. Paulo.
A notícia, que nem é novíssima, me trouxe um incômodo. Com o quê alguém que deseja acabar com a própria vida se depara ao se olhar num espelho? Podemos ver a nós mesmos ou ao outro que também nos habita, pensei ao lembrar o filósofo lituano Emmanuel Lévinas para quem o outro continua a ser de alguma maneira eu.
Na ótica levinasiana o sentido primeiro do rosto é uma ordem (e uma súplica): não matarás. Não sei se é isso que transmite o espelho nas estações. Seria bom se fosse. Em todo caso, experiências como a dos espelhos no Japão acabam estimulando uma reflexão sobre nós mesmos, a busca por entender quem está por baixo desse que mostramos, sobre como nos vemos, como enxergamos o outro, como reagimos diante da revelação que um colega, um subordinado, um amor ou alguém que pretendemos contratar tem depressão, pânico, se é bipolar.
Leva-nos a questionar se aceitamos o outro sem exigir que ele seja igual a nós (aliás o mundo seria uma chatice se só aceitássemos os semelhantes, uma mesmice) e se entendemos que o simples fato desse outro nos olhar revela a humanidade e nela estamos todos.