Podemos controlar apenas parte da nossa vida, pensava eu a caminho do jornal hoje. Tudo bem, essa parte é fundamental, do contrário seríamos como birutas à mercê do vento, mas esperar ter controle sobre tudo é tarefa impossível. Algumas horas atrás peguei um táxi perto de casa. Acreditava nunca ter visto o motorista até me dizer que quando eu acenei ele já ligou o ar condicionado para em seguida desandar a falar que nunca mais havia me visto e tal. O sujeito sabia onde eu morava, para onde eu mudaria, quem era o proprietário anterior do meu apartamento e até o nome do síndico do prédio.
Que controle tenho sobre essas informações?, pensei. Estico o braço no meio da rua, entro num táxi cujo motorista tem conhecimento de tantos detalhes de minha vida e eu nem faço ideia do seu nome, de fato sequer lembro o modelo do carro. Não perguntei como ele soube de tudo aquilo, respondi com vogais e mergulhei no caderno de esportes do Jornal da Tarde, que deixei com ele ao descer - melhor ocupá-lo com a convocação ou não de Neymar para a seleção a deixá-lo elucubrando sobre minha vida.
Essa prosopopeia toda é só para dizer que acho uma ilusão defender que tomar remédios é abandonar o próprio eu. Ficar doente então também seria, não me convence o argumento de não se medicar para não se perder. Já tem um pedaço nosso perdido por aí. Já existe um outro você, ou eu, à solta e sobre esse não temos um controle absoluto, ele é uma projeção do que eu mostro e do que os outros interpretam, é um punhado de informações que se dissipa por ondas sonoras, por letrinhas pretas sobre tela branca, por conversa de taxista. Podemos até tentar criar um personagem à nossa imagem e semelhança, mas saber por onde ela trafegae com que nível de detalhamento é difícil. Somos mistério por dentro e percepção lá fora, assim não dá para querer se livrar do incontrolável, do desconhecido. Eles estão aí, ponto. E isso é o divertido de viver (não de enlouquecer), mesmo sob medicamentos.