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Diversidade e Inclusão

"A cultura perde seu real significado quando não é inclusiva"

Luiza da Iola fala sobre a produção do novo clipe 'Mas eu voltei', que tem versão com legendas, Libras e audiodescrição. "Se a cultura é a expressão de um povo, como pode suprimir parte do que ele é?", diz a artista.

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:


"Para mim, a cultura perde o seu real significado quando não é inclusiva. Se ela é a expressão geral de um povo, como ela mesma pode suprimir parte do que ele é? Se é na diversidade que essas muitas culturas se manifestam, a cultura exclusiva perde com isso ética e valor", diz a cantora mineira Luiza da Iola, que lança neste domingo, 20 de junho, o clipe 'Mas eu voltei', com versão legendada, interpretada em Libras e também com audiodescrição.

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"Por experiência própria, eu, uma mulher negra, interiorana, homoafetiva, pertencente aos povos tradicionais, só pude compreender melhor a diversidade convivendo e me reconhecendo sendo parte dela a partir do encontro com outras pessoas, tão diversas quanto eu. Isso para mim sempre funciona como um espelho", afirma Luiza.

"Agradeço ao artista Dudu Melo, que tem deficiência visual e me mostrou numa simples caminhada o mundo por sua perspectiva. Foi nesse encontro com ele que comecei a conhecer e a pensar sobre acessibilidades. Ele quem me colocou também em diálogo com Gabriel Aquino, também com deficiência visual, consultor de acessibilidade que muito tem me ensinado e contribuído para as minhas produções audiovisuais desde 2019, a partir do projeto Interioranas", comenta a artista.

"Como tudo que compartilho vem da minha vivência, acredito que a mudança comportamental e cultural só acontecerá a partir de uma reeducação pela sensibilidade e conscientização. Antes de ser inclusivo é preciso entender que essa estrutura a que fomos moldados é capacitista, elitista e excludente. Reconhecendo isso, podemos promover uma cultura que inclua a todes, que ecoe todas as vozes e expresse todos os povos", defende a cantora.


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Composta em 2015, a canção 'Mas eu voltei' retrata o conceito sankofa, que se refere à saga de sair de si, se perder para depois retomar o caminho. Luiza propõe o olhar para dentro e para sua reconexão com seu eu ancestral. A artista apresenta ao público um roteiro audiovisual que, além de confluir com as paisagens sonoras, propõe uma memória cartográfica ao destacar lugares relacionados às lembranças pessoais, históricas e ancestrais. A narrativa, que tem propósito documental e de educação patrimonial, reconhece o topônimo Cacimba, palavra de origem Kimbundu, como herança e patrimônio cultural etnolinguístico dos povos bantu neste território.

"Acredito que a inclusão seja uma obrigação e responsabilidade não só de todos os artistas, mas da sociedade como um todo. Nós artistas temos o nosso papel, que é político-social e está intimamente ligado em sermos agentes transformadores e multiplicadores no meio que vivemos e atuamos. Eu, como uma arte-educadora e comunicadora social, preciso alinhar meu discurso às minhas práticas. Para que a inclusão se torne algo natural, é necessário ainda muito trabalho na promoção de ações de inclusão e luta em favor da cultura de inclusão. E essa é uma das muitas lutas que tenho procurado fortalecer", diz Luiza.

Uma das locações do clipe é fazenda histórica da Montueira, onde nasceu Lúcia Maria de Oliveira, mãe biológica da artista. O local foi retratado pelo prisma da herança de seu avô materno Sebastião José dos Santos, manifestos no patrimônio paisagístico. Da fazenda, o público contempla a frondosa paineira e o bambuzal plantados por 'Bastião Joana'.

O trabalho traz ainda registros imagéticos do terreiro da casa de Eunice de Oliveira, sua Tia Birica, mestra em cultivos e sabedora das ervas. E da casa onde viveram Norberta Maria Justino, Ivonildes Martinha, a 'Dona Dinica', além de sua tataravó, a matriarca e parteira Maria Cirilo nascida em 1860.

Os nomes dessas mulheres compõem a toponímia urbana da cidade. O roteiro reafirma o lugar de pertencimento de alguém muito ciente do por que de sua volta: para servir sua comunidade.

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Luiza da Iola morou em Belo Horizonte por quase oito anos, retorna ao seu terreiro ancestral para cumprir os acordos firmados consigo e com seu povo: honrar o legado herdado de suas ancestrais como Rainha Perpétua de Nossa Senhora do Rosário na tradição reinado, manifestação afro-religiosa de origem bantu e de forte expressão em todo o estado de Minas Gerais.

"A canção 'Mas eu voltei' pode ser interpretada de três formas: a volta para casa como um retorno para mim mesma, como retorno ao território onde nasci ou às minhas raízes", comenta Luiza.


https://youtu.be/TPjBIsR5HnM


"Os recursos de acessibilidade podem sim, aumentar os custos de uma produção. Em relação ao percentual, o custo dependerá do número de recursos empregados, sendo assim quanto mais recursos maior a porcentagem", explica Luiza.

"No videoclipe 'Mas eu voltei' em específico, de baixo orçamento, o percentual foi de 12% para os recursos de audiodescrição e Libras. O que mais aprendi nesse processo é que ainda usamos poucos recursos de acessibilidade, por desconhecimento. Por exemplo, eu não sabia, até então, que apenas a interpretação em Libras não era suficiente para atender a comunidade de surdos e ensurdecidos, sendo necessário pensar em legendas específicas para aqueles que não usam a Língua Brasileira de Sinais e optaram pela língua portuguesa. Além de estudar sobre a temática, considero importante ouvir as pessoas para compreender melhor quais são as necessidades do público com deficiência e, com isso, tornar cada vez mais acessível meus trabalhos e produções", afirma a cantora.

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Luiza da Iola conta que, para a inclusão da tradução em Libras, manteve diálogo com a intérprete Jane Luciana para entender melhor a sintonia nesse sentido.

"Nas apresentações ao vivo, o intérprete faz a tradução simultânea sem o conhecimento prévio do repertório apresentado, isso o deixa mais suscetível a erros. A gravação vem acompanhada da letra, o que permite ao intérprete se preparar melhor, a partir do estudo prévio, podendo escutar, fazer anotações e a partir disso interpretar", esclarece Luiza.

O projeto foi idealizado por Luiza da Iola, aprovado e realizado com recursos da Lei Aldir Blanc e pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de MG.



Além do lançamento virtual do clipe em seu canal do Youtube, Luiza propõe uma ação especialmente pensada para Carmópolis de Minas. A cidade receberá a arte urbana de projeção do videoclipe em fachada na Capela do Rosário, no Largo do Rosário. O local foi escolhido por acolher anualmente a festa do reinado e por se entrelaçar à história de Luiza.

Quando criança, sua mãe Iôla fez uma promessa à Virgem do Rosário para que a curasse das dores e inflamação crônica na garganta. A promessa foi cumprida ainda na infância e Luiza da Iola não só foi curada das enfermidades, como também passou a cantar.

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Após 14 anos guardada no altar aos pés da Senhora do Rosário, a coroa do Reinado Perpétuo de sua mãe Elvira de Oliveira, Dona Iôla, foi a mesma a coroar Luiza em 2018 como Rainha Perpétua de Nossa Senhora do Rosário de "Tupanuara" (Carmópolis de Minas).

Ao retornar à cidade e suas origens, a artista cumpre a promessa de honrar a coroa herdada de sua mãe Iôla assumindo integralmente a missão de guardiã da memória e tradição. Para ela, é importante pensar em seu trabalho como uma feitura que celebre seu sagrado, que visibilize seu território e honre seus antepassados.

"O que eu posso oferecer para além do online? Ofereço a reverência a todas as mulheres das quais herdei minha devoção e o compromisso de estar a serviço da tradição e da minha comunidade seguindo o exemplo das minhas ancestrais", conclui Luiza.



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