Mais de 200 anos após o nascimento de Louis Braille (04/01/1809 - 06/01/1852), o sistema de leitura e escrita desenvolvido pelo professor francês permanece fundamental na alfabetização de pessoas cegas ou com deficiência visual severa. Embora o avanço constante e veloz da tecnologia amplie as possibilidades de comunicação, o braile ainda é mais eficaz para garantir autonomia em todas as fases da vida.
Muito além da literatura, o método promove a independência em atividades do cotidiano, como a leitura de sinais e rótulos, embalagens de medicamentos, alimentos, artigos de higiene pessoal e limpeza, cédulas monetárias, cartões de embarque, botões de elevadores, caixas eletrônicos e portas de banheiros públicos.
"Apesar de ser inquestionável a relevância de aplicativos móveis e do áudio para a autonomia de pessoas cegas ou com baixa visão, ater-se a estes recursos em detrimento do braile pode restringir possibilidades", afirma Raquel Paganelli, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). "Tornar o braile obrigatório seria contraditório à inclusão porque modelos que pressupõem homogeneidade geram exclusão. No entanto, é importante considerar que a perspectiva inclusiva enfatiza o direito ao pleno desenvolvimento em todas as áreas da vida, principalmente para gerar autonomia", comenta a especialista.
Segundo Raquel, para crianças com pouca ou nenhuma visão, o braile pode ser a única possibilidade de alfabetização e compreensão dos símbolos de matemática, química, física e outras ciências, além de tabelas, gráficos, mapas, figuras geométricas e ilustrações impressas em relevo.
"Para pessoas mais velhas, já alfabetizadas, as possibilidades são ampliadas, como acompanhar o roteiro de uma palestra, fazer o registro de partituras e cifras musicais, ou até mesmo ler para os netos. São exemplos que atestam funcionalidade e autonomia em atividades do dia a dia", comenta.
A educadora destaca que é preciso considerar a diversidade na deficiência. Assim como há pessoas que nascem cegas e outras que se tornam cegas no decorrer da vida, há quem prefira usar a tecnologia aliada ao braile.
"É importante haver possibilidade de escolha. É uma decisão pessoal, subjetiva, no contexto, circunstâncias e expectativas em relação a como se quer viver a própria vida", diz.
#blogVencerLimites - Como o avanço da tecnologia tem contribuído para ampliar o acesso de pessoas cegas ao conhecimento? Qual a participação do braile nesse processo atualmente?
Raquel Paganelli - Com a publicação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, principalmente, da sua ratificação como emenda constitucional, a preocupação com o aprendizado de braile nas escolas comuns, tanto na rede pública quanto na privada, vem aumentando consideravelmente. Também no que diz respeito a investimentos na aquisição de recursos e materiais.
É um processo lento e gradativo, caracterizado por avanços e desafios. O percentual de pessoas cegas alfabetizadas em braille em nosso país ainda é bastante baixo. Além da inclusão escolar, a convenção exige acessibilidade em quaisquer serviços e produtos. Ainda assim, informações em braile não estão disponíveis na maioria deles, comprometendo a autonomia, principalmente no acesso ao conhecimento e no desempenho de funções básicas do cotidiano de pessoas cegas de todo o País.
Enquanto isso, os recursos de tecnologia vêm cobrindo esta lacuna, pelo menos para aqueles que podem usá-los, tornando o acesso à informação e à cultura mais rápido, facilitando a educação e profissionalização de pessoas cegas ou com baixa visão.
É preciso considerar que a tecnologia não substitui, mas complementa as funções do braile. Por isso, torná-lo acessível ao maior número de pessoas na escola e em qualquer espaço da vida social é urgente, para que as pessoas cegas possam usufruir plenamente de seus direitos, até mesmo do direito de escolher não fazer uso dele.
#blogVencerLimites - Quais os desafios atuais para inclusão dos cegos na educação, trabalho, cultura e lazer? O que já foi vencido nesse processo?
Raquel Paganelli - Muitos países, inclusive o Brasil, estão passando por grandes mudanças no que diz respeito a políticas e práticas de educação inclusiva nos últimos anos. A publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva pelo Ministério da Educação (MEC), em 2008, estabeleceu, entre outras coisas, o atendimento educacional especializado (AEE) para eliminar barreiras à plena participação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação, considerando suas necessidades específicas, em escolas públicas e privadas de todo o País.
Mais recentemente, em 2016, entrou em vigor a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015), que assegura e promove, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência trazendo uma série de inovações na área da educação.
Como consequência direta dessas e outras leis e medidas, o número total de matrículas dos estudantes com deficiência de modo geral na educação básica cresceu substancialmente na última década, particularmente no contexto inclusivo. Porém, é preciso considerar que essa trajetória não é linear. Os muitos e inegáveis avanços são resultado de um processo marcado por controvérsias, contradições e, muitas vezes, até mesmo retrocesso. Isso porque a educação inclusiva desafia a lógica excludente que rege os valores e a organização das redes de ensino e exige sua transformação para que o direito de participação e aprendizado no contexto escolar se torne, de fato, uma realidade para todos em nosso País e no mundo todo.
Reconheço que os avanços na educação incidem diretamente em outras áreas, transformando a situação de 'invisibilidade' das pessoas com deficiência que, entre outras coisas, passam a frequentar cada vez mais espaços de cultura e lazer e ocupar diferentes funções no mercado de trabalho. Ainda há muito a fazer. Por isso, acredito que é preciso continuar investindo na educação inclusiva.
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