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Diversidade e Inclusão

Cadê o remédio?

Brasil tem aproximadamente 40 mil pessoas com Esclerose Múltipla. Desse total, somente 12 mil tratam a doença, a maior parte com medicamentos de alto custo fornecidos pelo sistema público de saúde, segundo estudo da AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose). Esses remédios chegam com até três meses de atraso, o que prejudica subtancialmente a qualidade de vida dos pacientes. O #blogVencerLimites questionou o Ministério da Saúde sobre o problema, mas não houve resposta.

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:

Neste dia 31, última quarta-feira do mês de maio, é celebrado o 'Dia Mundial da Esclerose Múltipla', data estabelecida em 2009 pela Federação Internacional de Esclerose Múltipla (MSIF) - e seus membros na Índia, Reino Unido, Egito, Irlanda, Espanha e EUA - para dar destaque à doença que afeta 2,3 milhões de pessoas no mundo. A mensagem deste ano é 'Life With MS' (Vida com EM).

No Brasil, 40 mil pessoas enfrentam a doença, segundo dados da ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla). Aproximadamente 34 mil têm possibilidades reais de tratamento com medicamentos aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e 6% aguardam a aprovação de novos remédios, segundo o Observatório da Esclerose Múltipla, criado pela AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose).

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Um estudo coordenado pelo Observatório da EM constatou que apenas 12.698 pessoas com a doença no País têm acesso real a tratamento, a partir do uso constante de medicamentos de alto custo como Gilenya, Avonex, Rebif, Copaxone, Betaferon, Tysabri e Azatioprina, obtidos principalmente por meio do sistema público de saúde.

Essa distribuição, no entanto, tem falhas que prejudicam o paciente e comprometem sua qualidade de vida. O estudo da AME analisou a situação em 12 Estados (SP, RS, RJ, MG, PR, CE, DF, BA, MT, SC, PA e PE) onde remédios não foram entregues por até 90 dias. Em 2016, essa falta chegou a 57,1% e, em 2017, já atingiu 53,4% da vezes em que o cidadão compareceu ao local de retirada no dia marcado. A maior média de atrasos é de três meses (37,37%).

RESPOSTA - Questionado sobre o problema, o Ministério da Saúde não respondeu.

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SAIBA MAIS - A Esclerose Múltipla é uma doença causada por danos na mielina, material gorduroso que protege os nervos e age como o revestimento de um fio elétrico. A mielina permite que o nervo transmita seus impulsos rapidamente. A velocidade e eficiência destes impulsos possibilitam movimentos suaves, rápidos e coordenados, com pouco esforço consciente.

Na EM, o sistema de defesa do corpo passa a entender que a mielina é um inimigo e ataca esse material. A perda de mielina (desmielinização) é acompanhada por uma perturbação na capacidade dos nervos em conduzir os impulsos eléctricos e do cérebro. Isso produz os vários sintomas da EM.

Os locais onde a mielina é perdida (placas ou lesões) aparecem como endurecidos. Essas cicatrizes surgem em diferentes momentos e em diferentes áreas do cérebro e da medula espinhal.

O termo 'esclerose' múltipla significa 'muitas cicatrizes'. Os sintomas incluem visão turva, perda de força, sensações de formigamento, instabilidade e fadiga. Para algumas pessoas, a EM é caracterizada por períodos de crise e remissão, enquanto outras têm um padrão progressivo.

Fingolimode integra o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Esclerose Múltipla. Imagem: Reprodução  Foto: Estadão

Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Esclerose Múltipla, apesar de representarem uma grande conquista a quem enfrenta a EM, precisam de atualização urgente. O alerta foi feito por médicos e pacientes ouvidos pelo #blogVencerLimites, que reclamaram principalmente da falta de flexibilidade e da ausência de uma avaliação individual, contemplando cada caso como único e, dessa forma, possibilitando tratamento correto.

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"Os pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde) estão mais bem servidos do que aqueles com convênios (particulares). A esclerose múltipla ainda não faz parte do rol de doenças cobertas pela ANS (Agência Nacional de Saúde)", afirma o neurologista Jefferson Becker, presidente executivo do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas (BCTRIMS).

"No entanto, nos últimos anos, houve a aprovação de uma série de novas terapias para a EM, e mesmo com a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso no Brasil, nenhuma foi incorporada às terapias disponíveis pelo SUS. O PCDT, portanto, está bastante desatualizado", ressalta Becker.

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Professor adjunto de neurologia na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), o também neurologista Denis Bernardi Bichuetti, ratifica a crítica e acrescenta: "o PCDT da esclerose múltipla é engessado e burro. Existem medicamentos de baixa, média e alta potência. O protocolo obriga o uso de duas medicações de baixa potencia para depois poder ser prescrito um remédio de média e, somente após isso, prescrever outro de alta. Essa é a parte burra", diz.

"Conseguimos prever a doença mais agressiva e logo beneficiar o paciente com um medicamento mais potente. Essa maleabilidade pode evitar sequelas neurológicas. Além disso, não há porque alternar entre medicamentos de baixa potencia se um deles já falhou", ressalta Denis Bichuetti.

O diretor-executivo da AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose), Gustavo San Martin, que convive diariamente com a EM, afirma que o fato de haver um protocolo específico é um grande avanço, mas que terapias recentes, com eficácia comprovada, precisam ser incluídas.

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"O PCDT não considera a individualidade da doença. Cada pessoa tem uma manifestação única. Padronizar e criar 'etapas de tratamento' é desconsiderar o conhecimento médico e contribuir para um prognóstico negativo de evolução da doença", comenta.

"É necessário que o protocolo considere as terapias de tratamento multidisciplinar para manter o paciente ativo e com boa qualidade de vida, a partir do uso de remédios com eficácia no tratamento de sintomas, com terapia ocupacional, fisioterapia e outras especialidades", defende o diretor da AME.

Avonex - No ano passado, o Avonex® (betainterferona/1A 6.000.000 UI/30 mcg), do laboratório Biogen, foi retirado do SUS, o que gerou muita reclamação.

"A retirada de um medicamento vai contra o que está sendo feito no mundo todo, em que novas terapias estão sendo incorporadas ao invés de suprimidas. Isso abrirá um precedente perigoso, permitirá que outros fármacos possam ser excluídos com a justificativa de que 'um medicamento por classe seria suficiente'. Os motivos para a exclusão do Avonex não estão claros. E os argumentos contrários apresentados pela classe médica não estão sendo levados em consideração", diz Jefferson Becker.

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Denis Bernardi Bichuetti é neurologista e professor adjunto de neurologia na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo). Imagem: Divulgação  Foto: Estadão

Para Denis Bichuetti, estudos feitos em décadas diferentes devem ser analisados de forma distinta, e não somente comparados, porque os trabalhos em medicina mudam ao longo do tempo.

"Uma avaliação com conhecimento de 2016 não deve simplesmente anular um estudo de 2001, como fez o governo para excluir o Avonex. Todas as medicações precisam ser colocadas lado a lado pela avaliação de eficácia. Pequenas características genéticas podem influenciar no padrão de resposta e, por este ponto de vista, manter o Avonex poderia ser muito bom para alguns pacientes", destaca o neurologista.

Para o diretor-executivo da AME, a medicina com base em evidências e na importância do arsenal terapêutico é uma importante aliada na manutenção da qualidade de vida do paciente. "Incorporar deveria ser o foco da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias). Excluir o Avonex logo após mantê-lo muda o foco da real importância. Já havia sido comprovada a eficácia da medicação que, desde a existência do protocolo para EM, faz parte do rol dos remédios de tratamento", ressalta Gustavo San Matin.

Cura? - A atriz Claudia Rodrigues tem sido usada como personagem em reportagens que falam sobre uma cura para a esclerose múltipla, o que é "um grave erro', na avaliação do presidente do BCTRIMS. "A EM e praticamente todas as doenças imunomediadas continuam incuráveis. Afirmar que há cura para esclerose múltipla é um grave erro. E isso não deve ser prometido para nenhum paciente", diz Jefferson Becker.

"É difícil comentar sobre o tratamento de uma figura pública. Existe sempre um grau de interesses secundários e sensacionalismos nestas reportagens, e nem sempre é possível opinar cientificamente e clinicamente sem ter acesso a todas as informações de um caso", ressalta o neurologista Denis Bernardi Bichuetti.

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Gustavo San Martin, que tem EM, é diretor-executivo da AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose). Imagem: Divulgação Foto: Estadão

"Acreditamos na medicina com base em evidências e esperamos ansiosos pelo dia em que a cura seja descoberta. Infelizmente, até o momento, não existe fundamentação científica para essa afirmação", afirma Gustavo San Martin.

Perigos da internet - Se existem atualmente muitos 'especialistas' na internet falando e escrevendo sobre EM, onde estão as informações confiáveis sobre diagnósticos e tratamentos?

Para Jefferson Becker, a internet trouxe uma série de vantagens para os dias atuais, mas há desvantagens. "Na saúde, em geral, as reportagens costumam não ter base na literatura médica atual. Além disso, há nítidos conflitos de interesse em diversos textos, alguns vendendo verdadeiros milagres (como a cura da EM) com tratamentos que nem foram adequadamente testados. O ideal é procurar informações no site do BCTRIMS de comitês internacionais, além de universidades, hospitais ou da Academia Brasileira de Neurologia. Outra possibilidade são reportagens em sites jornalísticos respeitáveis, nos quais o jornalista busca informações com especialistas na área", diz.

"Informações confiáveis estarão sempre com o médico em que você confia, conversando calmamente em consulta presencial. É difícil julgar a veracidade de relatos e discussões em fóruns não científicos. Estima-se que 5% a 10% das pessoas diagnosticadas como EM, mesmo em um centro especializado, talvez tenham outra doença. Imagine quando extrapolamos isso para um fórum de pacientes. Alguns locais no quais informações mais assertivas, além da Academia Brasileira de Neurologia, são os comitês americano (ACTRIMS) e europeu (ECTRIMS), e também a National MS Society", cita Denis Bichuetti.

"O advento da tecnologia propiciou o livre acesso à informação. Acreditamos que a informação é o melhor remédio, e é um direito do paciente. Privar o paciente de pesquisar sobre a própria doença, ou ainda criticar os veículos que o fazem com seriedade, é como andar na contramão da sociedade moderna. O que deve ser feito é publicar e compartilhar apenas notícias de referências técnico-científicas renomadas, numa linguagem acessível e de fácil entendimento", conclui o diretor da AME.

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