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Diversidade e Inclusão

"Conectar: o que eu aprendi com a síndrome de Down"

Carol Campos é escritora e conta como Manu, filha da publicitária Carla Schultz, transformou seu olhar sobre a inclusão. "A chegada dela e de meu filho tornou nossa amizade eterna e forte para gerar mudanças no mundo".

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Por Luiz Alexandre Souza Ventura
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Descrição da imagem #pracegover: Foto na sala de um apartamento mostra Carol Campos, Manuela Brollo, Vivian Arias e Carla Schultz. Manu tem síndrome de Down e está nos braços de Vivian. Todas estão sorrindo. Crédito: Divulgação.  Foto: Estadão


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, de 43 anos, é publicitária, responsável pela 'Iniciativa Kids', que conecta famílias com filhos com e sem deficiência intelectual de 0 a 5 anos, casada com Marco e mãe da Manuela, que tem síndrome de Down.

As duas amigas atuam juntas na promoção da diversidade e na defesa da inclusão. Em um depoimento profundo e sincero, Carol conta como a chegada de Manu transformou essa amizade.


Descrição da imagem #pracegover: Pedro, filho de Carol Campos, está sentado com Manu, ainda bebê, em seu colo. Crédito: Divulgação.  Foto: Estadão


Conheci a Manu quando ela ainda era um sonho distante. Na época em que eu e sua mãe, Carla, éramos duas mulheres de vinte e poucos anos, trabalhadoras e independentes, e amávamos dançar e conversar por horas e horas. E quando digo horas e horas, por favor exagere o máximo que conseguir. Sobre os mais variados temas. Entre eles, uma famosa questão feminina: "como será que seremos aos quarenta?".

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Anos mais tarde, bem perto dos quarenta, a Manu chegou e eu corri para a maternidade. Mas só pude conhecer a Manu pelas palavras de seus pais: ela estava na UTI. Até aquele dia, a Carla nunca tinha me falado que o exame NIPT, feito por ela na décima sétima semana de gestação, indicou que tinha 99% de probabilidade da Manu nascer com síndrome de Down. Foi o Marco, marido dela, quem me contou, enquanto ela amamentava na UTI. Para quem não sabe, e eu até então não sabia, o NIPT é um exame de sangue simples e não invasivo, caro, nem todo convênio médico cobre, que faz uma pesquisa no DNA do feto para detectar possíveis alterações cromossômicas, como a síndrome de Down, síndrome de Edwards, síndrome de Patau e as alterações dos cromossomos sexuais: síndrome de Turner e síndrome de Klinefelter.

Eu, mãe de uma criança que tem duas mães, entendi imediatamente, naquela conversa de quarto de maternidade sem bebê, que minha amiga de tantos anos não sabia como conversar comigo sobre a condição genética de sua filha. Eu, mãe de família homoafetiva, soube imediatamente, naquela conversa de quarto de maternidade sem bebê, que eu teria um papel importante na vida da Manu: o de mostrar para o mundo que ela, assim como meu próprio filho, assim como qualquer criança que nasceu nesse mundo, tem que ser respeitada. Independente da sua condição social, física, intelectual, de gênero ou de raça.

Saí daquele quarto determinada a encontrar formas de mostrar para minha amiga que estávamos no mesmo barco. Ou na mesma canoa, porque ser mãe é se equilibrar enquanto rema, sem saber exatamente se a velocidade é a ideal ou se o caminho é esse. Mas a gente rema mesmo assim. E reza para que nossas escolhas tenham, de fato, sido as melhores.

Comprei um livro. Sou dessas que precisa comprar um livro, ouvir um podcast, pesquisar e fazer listas antes de seguir em frente. E, depois disso tudo, procurei a Carla para conversar. Enquanto eu li um livro, ouvi um podcast, pesquisei e fiz minha lista, minha amiga passou rapidamente de mãe que ainda não sabia como conversar comigo sobre síndrome de Down para bmbaixadora de uma ONG Internacional, apoiadora de diversas iniciativas sociais, idealizadora do projeto "Iniciativa Kids, conectando famílias", voz do perfil Caminhos com Manu no Instagram, e uma Mãe com M maiúsculo, daquelas que a gente tem orgulho de dizer por aí que conhece desde a época em que mãe ainda era um sonho distante.

Um dia, Carla me chamou para falar sobre inclusão em um evento da Iniciativa Kids. Inclusão e maternidade, meus dois temas favoritos no mundo, e ainda com café da manhã gratuito. Quem recusa um convite desses? Foi uma manhã de mudanças. Eu tinha ido para palestrar sobre minha experiência materna até então, para contar um pouco sobre a minha vida, conversar numa roda sobre preconceito. E saí de lá com a leve impressão de que fui eu a quem mais aprendeu durante aquelas horas.

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Aquele café da manhã delicioso me apresentou para famílias que viraram meus amigos também. E, talvez, não fosse pela trissomia do cromossomo 21, eu não teria conhecido até hoje. Porque vivemos numa cidade imensa, onde só temos tempo para quem está do nosso lado. E olhe lá.

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E, com essa turma, aprendo algo todos os dias. Não só sobre a síndrome de Down, mas sobre uma coisa que adoro conversar: as particularidades de cada criança. Sim, particularidades. Pessoas com síndrome de Down não são todas iguais só porque têm algumas semelhanças físicas, como os olhos amendoados, baixo tônus muscular e deficiência intelectual. Essas pessoas podem até se parecer entre si, mas têm características únicas, tanto genéticas, herdadas de seus familiares (a Manu, por exemplo, é a cara da mãe, mas o pai dela vai me desmentir, assim como fazem todos os pais), quanto culturais, sociais e educacionais. Assim como eu e você.

Falando sobre eu e você, sabia que esse Down não tem nenhuma relação com a palavra em inglês? Não significa desanimado, para baixo, derrubado, fora de operação. Aliás, desanimado seria o último adjetivo que eu usaria para descrever as crianças que conheci por meio da Manu. Down é só um sobrenome. Do médico John Langdon Down, que descreveu essa síndrome específica. Síndrome, outro termo que eu também nunca tinha pesquisado, é o conjunto de características que prejudicam de algum modo o desenvolvimento do indivíduo. Uma ocorrência genética, que não deve ser chamada de doença psiquiátrica. Alias, você sabia que deficiência intelectual e mental são coisas totalmente diferentes? Eu aprendi isso também.

Falar de preconceito é difícil. Porque muitas pessoas não acreditam que preconceito exista em 2021. No passado, crianças com síndrome de Down eram escondidas no fundo de suas casas, totalmente excluídas da vida social e, em muitos, e tristíssimos, casos, trancadas por toda a vida em clínicas psiquiátricas. Hoje, isso não acontece com a frequência do passado, mas o preconceito ainda está em toda parte.

Falar sobre diversidade machuca, porque gostaríamos de acreditar que somos todos iguais no olhar de todas as pessoas. Porém, sabemos, eu e você, que isso não é uma verdade.

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Falar sobre minoria quando quero falar sobre a Manu não é exatamente falar sobre minoria. Aproximadamente, segundo dados oficiais de 2020, 24% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. Ter uma deficiência é viver com algumas limitações. Isso não significa que pessoas com deficiência sejam incapazes. Elas se divertem, estudam, passeiam, trabalham, namoram, se casam, sorriem e choram. Vivem. Com suas limitações. Vivem! E essas limitações são menos limitantes quando eles têm oportunidades para se desenvolverem em sociedade. O potencial nasce a cada oportunidade. Só precisam, então, de espaço para se inspirar, aprender e florescer.

Eu adoro acompanhar as conquistas pessoais de cada uma das crianças que a Manu já me apresentou até aqui. E são muitas as conquistas que acompanho.

E é exatamente pensando nas conquistas dessas pessoas que hoje, quando alguém me pede para falar sobre inclusão, prefiro falar sobre conexão. Porque, se eu for ser bem sincera mesmo, a Manu me conectou à minha amiga de forma indescritível. Com a chegada dela, e também do meu filho, trocamos nossa parceria fugaz da pista de dança por uma parceria eterna, muito mais forte, e preocupada em gerar mudanças positivas no mundo que queremos deixar para as nossas crianças, chamada rede de mães. Indestrutível.

Neste ano, no Dia Internacional da Síndrome de Down, 21/03, coincidentemente, e com toda razão, o tema é #conectar.


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REPORTAGEM COMPLETA EM LIBRAS (EM GRAVAÇÃO)

Vídeo produzido por Helpvox com a versão da reportagem na Língua Brasileira de Sinais pela tradutora e intérprete Milena Silva.


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