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Diversidade e Inclusão

"Emprego Apoiado é um esforço fundamental para a inclusão concreta"

Após denunciar boicote a uma enfermeira com autismo no Hospital do Servidor Público de SP, o blog Vencer Limites convidou autoridades e especialistas que atuam pela inclusão para avaliar o caso em artigos exclusivos. O oitavo texto é assinado por Flávio Gonzalez, da Apae de São Paulo. Em pauta, a importância da estrutura de emprego apoiado para igualdade e equidade no ambiente de trabalho.

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
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A falta de estrutura de emprego apoiado, para garantir a pessoas com deficiência oportunidades equivalentes de aprendizado no ambiente de trabalho, pode destruir por completo um projeto de inclusão. O que deveria ampliar acessos ao emprego, acaba por reduzir as chances de evolução profissional. Nesse processo, ficam evidentes as práticas de discriminação e exclusão.

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Um exemplo dessa dinâmica invertida está escancarado na denúncia da enfermeira Andrea Batista da Silva, que tem autismo e relatou boicote de colegas e superiores no Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) de São Paulo. O caso foi publicado com exclusividade pelo blog Vencer Limites. A reportagem levou o Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP) a abrir uma investigação.

O blog Vencer Limites convidou especialistas e autoridades que atuam pela inclusão para avaliar o caso em artigos exclusivos. O oitavo texto é assinado por Flávio Gonzalez, da Apae de São Paulo.

Leia também os artigos escritos por Cid Torquato, secretário municipal da pessoa com deficiência de São Paulo; Mara Ligia Kiefer, gerente de projetos de inclusão da i.Social; Irma Rossetto Passoni e Jesus Carlos Delgado Garcia, do Instituto de Tecnologia Social (ITS BRASIL); Lara Souto Santana, coordenadora de desenvolvimento de programas da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPcD) de São Paulo; Marco Pellegrini, secretário nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos; a neuropsicóloga Sandra Dias Batochio da Silva, e Carolina Ignarra, sócia fundadora da Talento Incluir.


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Emprego Apoiado: afinal, o que é isso?

por Flávio Gonzalez*

A questão da deficiência sempre foi permeada por mitos. A pessoa que a tem é chamada a lidar com estigmas que carregam a história da humanidade, marcas hereditárias que, intrusas, escondem-se no imaginário coletivo, nas raízes da própria cultura de uma sociedade.

É o esforço consciente, forjado no simples reconhecimento dos direitos, o único capaz de se contrapor a essa bagagem histórica.

Os mitos, embora antigos e profundos, assumem, de quando em quando, novas roupagens. Uma delas, que ouvimos a todo o momento no árduo exercício de fazer inclusão, é o que chamamos do 'mito dos cem reais'.

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Já se tornaram clichês frases como 'não conseguimos reter as pessoas na empresa porque, por qualquer cem reais, elas mudam de emprego'.

Será que isso é verdade?

Questionar a opinião do senso comum é sempre necessário quando se lida com a discriminação, pois essa, geralmente, se esconde nas entrelinhas.

O antropólogo Robert Murphy, após tornar-se tetraplégico em 1976, criou o conceito de 'limiaridade'. Para ele, muitas pessoas com deficiência encontram-se, quando não completamente excluídas, no 'limiar', na fronteira entre a inclusão e a exclusão.

Esse 'lugar' não é simples de ser identificado, pois, na prática, a pessoa parece estar incluída, mas na verdade não está.

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Algumas vezes está empregada, mas nem sempre incluída. Muitas vezes é subaproveitada, 'encostada', recebe salário, mas não consegue demonstrar seu potencial e sente-se, por força de uma inclusão, na verdade, malfeita, deslocada naquele contexto.

Daí que, recebendo uma proposta de emprego, ela muda, como qualquer pessoa mudaria, e a explicação que a empresa encontra, por falta de outra melhor, é que 'ela trocou por causa de cem reais'.

Reedita-se com isto o velho jargão de 'culpabilizar' a pessoa pela sua própria exclusão, o que é uma estratégia perversa de negação de responsabilidades, que deposita na vítima a origem da agressão que recebe.

O chamado 'modelo médico da deficiência' nos ensina a ver o problema na pessoa, esquecendo-se de que, como propõe o 'modelo social', a deficiência resulta de uma complexa interação da pessoa com diversas barreiras existentes no meio, sejam essas arquitetônicas, atitudinais, comunicacionais, instrumentais ou outras.

Deve-se sempre perguntar: oferecemos para esse profissional os apoios que ele precisava para trabalhar?

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Ou simplesmente o 'colocamos lá', sem nenhum esforço no sentido de concretizar a inclusão, como se ela acontecesse por acaso, sem uma intervenção consciente?

Foi pensando dessa forma, e com foco na inclusão de pessoas com deficiência mais severas, que algumas universidades americanas - como a de Wisconsin/Oregon (EUA) - criaram as bases do hoje é chamado de Emprego Apoiado (Supported Employment).

Trata-se de uma tecnologia social que, rapidamente, se espalhou pelo mundo e, atualmente, é amplamente utilizada na Europa, no Estados Unidos e outros países, como a principal ferramenta para a inclusão profissional de pessoas com deficiência, inclusive prevista na legislação de várias nações, entre elas a Espanha.

Essa metodologia tem algumas bases, entre as quais está a 'presunção de empregabilidade', que propõe que 'todas as pessoas podem trabalhar desde que sejam oferecidos os apoios necessários'.

A inclusão deve sempre ocorrer no mercado competitivo, em ambientes inclusivos, respeitando as escolhas da pessoa, seus interesses, pontos fortes e necessidades de apoio. Ela também inverte a lógica do 'qualificar para incluir', propondo o modelo 'incluir para qualificar', e tem três fases: descoberta de perfil, desenvolvimento de emprego e acompanhamento pós-colocação.

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Os apoios podem ser de vários tipos: natural, tecnológico, modificação do ambiente; tem diversas intensidades: intermitente, limitado, extensivo, pervasivo, e muitas fontes: pessoas, serviços, tecnologias.

Deve sempre caminhar para os 'apoios naturais', encontrados na própria empresa, na comunidade, organizados de modo a suprir as necessidades de apoio que são sempre individualizadas.

Com isso, a pessoa pode demonstrar todo o seu potencial, sentir-se pertencente e, certamente, não será por 'cem reais' que ela mudará de emprego, exceto se for mal remunerada pelo simples fato de ter uma deficiência, o que é crime perante a lei.

*Flávio Gonzalez é psicólogo, atua há 22 anos na inclusão profissional de pessoas com deficiência e supervisiona o serviço de qualificação e inclusão profissional da Apae de São Paulo.



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