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Diversidade e Inclusão

Estudante cega aciona Justiça contra a FGV após ser retirada de exame da OAB

Helena Rosa Gois pediu tempo adicional e recursos de acessibilidade. Ela afirma ter enviado laudo, mas foi impedida de concluir o teste. "Foi tudo muito agressivo. Me arrancaram da sala e falaram que minha prova não valia nada". FGV diz que não recebeu o documento.

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:

 


Helena Rosa Gois, de 29 anos, cega desde os 9, estudante do último semestre do curso de Direito da FMU, em São Paulo, entrou com um mandado de segurança contra a Fundação Getúlio Vargas (FGV) após ser impedida de concluir o 33º Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No último dia 17, ela foi retirada da sala onde fazia a prova, na Universidade Metodista, no ABC Paulista, antes do encerramento do tempo adicional que havia solicitado.

"Quando fiz a inscrição, pedi tempo adicional (60 minutos), computador com leitor de tela, uma pessoa para ler o que fosse necessário e uma sala individual. Anexei o laudo com essas solicitações, sendo que o tempo adicional é o primeiro item", diz Helena.


Helena Rosa Goisa afirma ter enviado laudo à FGV no ato da inscrição para o 33º Exame da OAB. Crédito: Arquivo Pessoal / Helena Rosa Gois. Foto: Estadão

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"Eu havia respondido 70 questões (a prova tem 80) e estava alguns minutos no tempo adicional quando duas pessoas entraram, interromperam a minha prova, disseram que eu não poderia mais continuar porque eu não tinha direito a esse tempo adicional, me mandaram sair, não permitiram que eu levasse o caderno do teste, só peguei o rascunho do gabarito, e ainda disseram que meu exame não valia nada", conta a estudante.

"Argumentei que tinha feito o pedido na inscrição e que o tempo adicional era o primeiro item do laudo que enviei, mas não adiantou. Essas pessoas disseram que não havia laudo e me tiraram da sala", relata Helena.

Para ser aprovada no exame, a estudante teria de acertar no mínimo 40 respostas. "Foi tudo muito agressivo. Fiquei em choque, chorei muito e, em casa, depois de me recompor, verifiquei meu gabarito e confirmei que respondi 51 perguntas corretamente, o que garante minha aprovação. Meu marido é advogado e entramos com o mandado de segurança para validar minha prova e confirmar minha participação na segunda fase, em dezembro", explica a estudante.


FGV afirma não ter recebido laudo de Helena Rosa Gois. Crédito: Arquivo Pessoal / Helena Rosa Gois. Foto: Estadão


A FGV afirma ter seguido as regras previstas no edital, "como se dá com todo e qualquer outro inscrito ou inscrita", diz a Fundação. "No caso em questão, a examinanda não encaminhou laudo médico ou similar, para subsidiar o pedido de atendimento especial, conforme exigido pelo edital", afirma a FGV.

O item 2.7.1.2. do edital estabelece "Concessão de sala individual, realização de prova em meio eletrônico e tempo adicional para a realização das provas somente serão deferidos em caso de deficiência ou doença que justifiquem tais condições especiais, e, ainda, caso tal recomendação seja decorrente de orientação médica específica contida no laudo médico enviado pelo examinando. Em nome da isonomia entre os examinandos, por padrão, será concedida 01 (uma) hora adicional a examinandos com pedido de tempo adicional deferido".

A FGV ressalta que "mesmo sem receber da examinanda o laudo necessário (documento obrigatório), deferiu de boa-fé alguns atendimentos especiais solicitados pela examinanda no ato da sua inscrição, de modo a garantir que a examinanda pudesse realizar a prova em igualdade de condições com os demais examinandos. O único pedido indeferido, pela falta de entrega do laudo, foi o tempo adicional, pois este só pode ser deferido mediante comprovação pelo laudo. A examinanda não se valeu desta possibilidade, e nem mesmo no dia do Exame apresentou o laudo", argumenta a instituição.

Helena contesta essa informação e reafirma ter enviado o laudo no ato da inscrição. "Essa resposta não tem sentido. Quando o laudo não é enviado, o candidato não entra na condição de pessoa com deficiência. Se 100 pessoas pedirem recursos de acessibilidade, mas nenhuma apresentar laudo, a FGV vai deferir todos os pedidos 'de boa-fé'? Essa prática é contrária ao próprio edital do exame", rebate a estudante.

A FGV informou que a prova de Helena Rosa Gois não foi anulada. "Apesar de a folha de resposta original estar em branco, as respostas enviadas de forma digitada serão consideradas para fins de correção da prova. Não há, ainda, o resultado oficial da candidata, pois não se concluiu a fase de processamento do resultado", explica. "A FGV agiu com absoluta correção e respeito ao edital, não restando qualquer prejuízo para a candidata", completou a Fundação Getúlio Vargas.

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A FGV não comentou a conduta dos fiscais do exame e nem a postura adotada por esses colaboradores na abordagem à estudante. A Fundação também se manteve em silêncio sobre possíveis defeitos no sistema de inscrição para o exame e não respondeu se a ausência do laudo no formulário recebido pela organização da prova pode ter sido causada por problemas de tecnologia.

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O caso é acompanhado pela Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência da OABSP, segundo Lucia Benito de Moraes Mesti, presidente da comissão, "para que não haja qualquer violação nos direitos dos examinandos com deficiência".

"Importante ressaltar que todos os examinandos com deficiência que solicitarem o atendimento especializado mediante laudo médico com justificativa, nos termos do edital do exame, devem acompanhar a resposta do pedido. E, caso haja qualquer divergência quanto ao requerimento formulado, o examinando deverá imediatamente entrar em contato com a FGV por correio eletrônico (examedeordem@fgv.br), informando o ocorrido", orienta a presidente.

Helena Rosa Gois esclareceu que não consultou o sistema após a inscrição para confirmar se todos os seus pedidos haviam sido deferidos porque presumiu a aprovação. "Eu fiz o 32º exame, em junho, procedi da mesma maneira, com a inclusão do laudo na inscrição, e tudo foi aprovado, inclusive o tempo adicional. Por isso, não tive dúvidas sobre a nova autorização. Além disso, o website da FGV tem barreiras de acessibilidade", conclui a estudante.


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Helena Rosa Gois, de 29 anos, cega desde os 9, é estudante do último semestre do curso de Direito da FMU, em São Paulo, Crédito: Arquivo Pessoal / Helena Rosa Gois. Foto: Estadão


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