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Diversidade e Inclusão

"Falta união entre as pessoas com deficiência e isso prejudica todas"

O #blogVencerLimites publica até o dia 31 de dezembro uma série de artigos exclusivos, escritos por convidados, sobre as expectativas para o ano de 2021. Leia o texto do jornalista, radialista e comentarista esportivo Felipe Diogo, que é cego.

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
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*Artigo de Felipe Diogo

Comecei o ano com muitas expectativas e projetos. Pretendia ampliar meu conhecimento sobre a edição de áudio, fazer cursos, estava planejando participar de muitas provas de corrida de rua - sou atleta há alguns anos, todo domingo encarava uma disputa - e também entrar num mercado de trabalho para pessoas cegas que está crescendo, o de consultoria para audiodescrição. No jornalismo, a ideia era fazer a cobertura dos eventos, como no ano passado, principalmente comentários e análises.

Nada disso foi possível. Não consegui mais treinar para as corridas porque preciso de um guia. Todas as provas foram canceladas. E a falta de acessibilidade digital dificultou o acompanhamento dos cursos, mas quero retomar no próximo ano.

Nosso programa 'Espaço da Inclusão', na Rádio Paraty, em Santo Bernardo do Campo (ABC Paulista), que mantinha uma caminhada de sucesso, foi cancelado. Chegamos a ser retransmitidos por 16 emissoras, entre elas uma na Espanha.

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Conseguimos continuar na Rádio Teletema, de Lajeado (RS), que é online, retransmitia o programa desde setembro do ano passado e, em março deste ano, abraçou nosso projeto. O programa ainda tem duas horas de duração e até ganhou novos quadros, como um sobre teatro para pessoas com deficiência, conduzido de Curitiba pela nossa colega Carolina Antunes, que tem deficiência visual.

Apesar dessa situação, fizemos muitas entrevistas neste ano, isso foi muito rico, falamos com muita gente. A última entrevista do José Paulo de Andrade (jornalista, radialista e apresentador de TV, que faleceu em julho) foi para o nosso programa. Teve um papo com o Jota Júnior (jornalista e locutor esportivo) e fizemos uma ótima série sobre os 70 anos da TV.

Falando sobre imprensa, na cobertura da pandemia, as pessoas com deficiência quase nunca são citadas, há pouca informação sobre os perigos da covid para esse grupo, é raro encontrar material com essa abordagem. Veículos especializados no tema, a ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e blogs da área aprofundaram essa discussão, mas a grande imprensa não.

Essa falha também existe nas entrevistas com médicos, nas lives que muitos prefeitos fizeram, e eu acompanhei várias, nas coletivas do governo estadual. São milhões de pessoas com deficiência no País, mas quase ninguém fala com esse público. E não se trata apenas dos riscos para quem for contaminado, também tem o problema da exposição ao vírus.

Desde o começo da pandemia, não tenho saído de casa, primeiro porque sou cego e essa condição exige o toque nas pessoas e nas coisas, mas também porque já fiz uma cirurgia no coração para corrigir um problema que descobri por causa das corridas. Tenho me dedicado totalmente ao programa de rádio, o que é muito bom e mantém meu equilíbrio psicólogico. Não tenho essa ansiedade de ter que sair de casa, compreendendo totalmente a necessidade de respeitar o momento e aguardar a vacina para poder retomar as atividades com segurança para mim e para as outras pessoas.

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A ONU (Organização das Nações Unidas) alertou para o abandono das pessoas com deficiência durante a pandemia, em todo mundo. E isso é um fato. Atualmente, nas discussões sobre a vacina e os preparativos para a imunização coletiva, em muitos paises as pessoas com deficiência não foram incluídas nos grupos prioritários.

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Tem ainda o problema da falta de respeito às determinações das autoridades, inclusive de saúde. Deveríamos seguir o exemplo da Inglaterra, que decretou lockdown e não voltou atrás na decisão. É uma questão de consciência da população e também de confiança nos governos, da credibilidade na maneira como os governantes conduzem a situação.

No Brasil, isso é terrível. Nosso presidente não mostra interesse em resolver essa questão e carrega toda a população junto. Os municípios preferem não obedecer determinações estaduais e o povo acaba espalhando ainda mais o vírus. Muita gente morrendo ou sendo infectada e as prefeituras descumprindo as diretrizes e para fazer festa de fim de ano.

Precisamos ficar atentos à retirada de direitos das pessoas com deficiência. Um exemplo é o decreto, agora suspenso, que retomava as salas e escolas especiais. Particularmente, entendo que a inclusão na escola regular só vai dar certo se o professor estiver preparado para realmente incluir esse estudante, oferecer o que é necessário para o aluno com deficiência progredir. Acredito que as chamadas 'escolas especiais' podem contribuir muito nesse processo, dar muito suporte. Passei pelos dois modelos e aprendi muito em ambos.

Falta união entre as pessoas com deficiência e isso prejudica todas. A máxima 'Nada sobre nós, sem nós' não parece sensibilizar e, por isso, direitos que foram conquistados depois de uma longa luta se perdem. Também falta espaço para manifestação e representatividade. Minha cidade, São Bernardo do Campo (ABC Paulista), com mais de 700 mil habitantes, e centenas de empresas, não tem uma secretaria municipal da pessoa com deficiência.

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Para o próximo ano, a vacina é a meta. Não parece que será rápido e ainda tem um debate sobre quem vai para a frente na fila, mas esse tem de ser o objetivo.

*Felipe Augusto Diogo, de 35 anos, é cego, paratleta, jornalista, radialista, apresentador do programa 'Espaço da Inclusão', transmitindo pela Rádioweb Teletema (Lajeado/RS) e comentarista esportivo da Rádio Paraty, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.


REPORTAGEM COMPLETA EM LIBRAS (EM GRAVAÇÃO)

Vídeo produzido pela Helpvox com a versão da reportagem na Língua Brasileira de Sinais.


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