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Diversidade e Inclusão

MP quer explicações da USP sobre concurso com várias barreiras para pessoas com deficiência

Candidato com deficiência só consegue se inscrever se pedir adaptação, mas têm que comprovar necessidade em laudo e entregar documento presencialmente na Cidade Univesitária.

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:

Vaga para enfermeiro no Hospital Universitário tem salário de R$ 9,2 mil. Foto: Reprodução.


O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) pediu apuração de eventuais irregularidades, no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência, no concurso do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HUUSP) para a função de enfermeiro.

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O Edital HU n° 45/2022, publicado em 12 de maio no Diário Oficial de São Paulo (Poder Executivo - Seção I, páginas 132 (93) - 229), informa que o profissional vai trabalhar na área de cuidado na saúde do adulto, idoso e pediatria, em regime CLT, com salário inicial de R$ 9.257,99.

O prazo para comprovação da deficiência que garante vaga reservada foi encerrado nesta quinta-feira, 26. Para fazer inscrição (que custa R$ 139,00), o candidato com deficiência teve de preencher um formulário na página da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), mas a identificação de pessoa com deficiência só era possível se o inscrito indicasse a necessidade de recursos específicos de acessibilidade para fazer a prova. Quem tem deficiência e não precisa de adaptação, não conseguiu concluir a inscrição como pessoa com deficiência.

Além disso, a necessidade da adaptação teve de ser comprovada em laudo médico, aceito apenas quando apresentado presencialmente na Cidade Universitária, conforme estabelece o item 9.6. do edital.

"Para gozar dos benefícios da reserva legal, no período de inscrição de 13/05/2022 a 27/05/2022, deve o candidato com deficiência(s) declará-la(s), por escrito, apresentando laudo médico recente que ateste a espécie e o grau ou nível da(s) deficiência(s), com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença - CID, bem como a provável causa da deficiência, através da entrega pessoal da documentação à Seção de Protocolo, situada na Av. Prof. Lineu Prestes, 2565 - Cidade Universitária - São Paulo - SP., 1º andar, das 8 às 14 horas , de segunda à sexta-feira".

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Vale destacar que nenhum outro mecanismo, como envio do laudo pela internet, por sistema ou até pelo correio, foi aceito. Também é importante lembrar que, para chegar à Cidade Universitária, o candidato com deficiência tem de enfrentar todos os problemas de acessibilidade da cidade de São Paulo e da própria Cidade Universitária, na ida e na volta, além das barreiras para chegar à capital paulista, se o candidato mora em outro município.

Para a confirmação da deficiência (item 9.2), o edital exige que seja feita com base no Decreto nº 3.298/1999 - e suas alterações - e no Enunciado da Súmula nº 377 do Superior Tribunal de Justiça (DJe de 5/5/2009) -, mas não cita a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015), que atualizou a identificação das deficiências, o que pode eliminar da lista muitos candidatos com deficiência.

O blog Vencer Limites acompanhou a jornada de um candidato com deficiência, autista, que não conseguiu fazer a inscrição como pessoa com deficiência, mas levou o laudo pessoalmente até a Cidade Universitária. Essa pessoa - que não será identificada para evitar represálias - não reside na cidade de São Paulo e demorou aproximadamente três horas para chegar à USP, usando transporte público. Dentro do campus, diversas escadas e pontos de dificuldades estavam no caminho até o setor de protocolo, onde o documento foi apresentado. Na volta para casa, o inscrito também usou transporte público e o trajeto levou mais três horas. No total, o candidato investiu seis horas e R$ 149,90.


Cidade Universitária tem várias escadas. Foto: blog Vencer Limites.


Já na entrada da Cidade Universitária, pessoas com deficiência encontram dificuldades para a mobilidade. Foto: blog Vencer Limites.


Caminhos da Cidade Universitária são cheios de obstáculos para pessoas com deficiência. Foto: blog Vencer Limites.


A Promotora de Justiça de Direitos Humanos - Área das Pessoas com Deficiência, Deborah Kelly Affonso, determinou envio de ofício à USP, "antes de decidir sobre eventual rejeição ou recebimento e instauração de PANI ou inquérito civil", solicitando esclarecimentos "sobre observância do quanto determinado no artigo 2° da Lei 13.146/2015, para a aferição da deficiência dos candidatos, independentemente de leis ou decretos que a presumam; se há equipe multidisciplinar para avaliação dos candidatos; se o laudo exigido para a realização de inscrição diz respeito à forma prescrita em lei ou, se refere exclusivamente a critério médico; se há paridade de condições de realização de inscrição dos candidatos deficientes com os demais candidatos quanto ao comparecimento pessoal para sua realização, e qual a forma de se garantir a inscrição de candidatos com deficiência às vagas reservadas que não tenham necessidade de realizar provas adaptadas, como por exemplo os candidatos surdos (e todas as outras deficiências que não necessitem de adaptação)".

Respostas - O blog Vencer Limites pediu esclarecimentos à USP, ao Hospital Universitário e à Fuvest. Em nota conjunta, as três instituições afirmaram que as exigências do edital têm a meta de agilizar o processo e que a Lei Brasileira de Inclusão identifica as deficiências de forma genérica.

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"A entrega de documentos deverá ser presencial, mas não necessita ser realizada pelo próprio candidato, qualquer portador poderá entregar os documentos solicitados. A decisão pela entrega presencial está relacionada ao fato de estarmos próximos ao período eleitoral e à obrigatoriedade de finalizar todo o processo do concurso até o dia 1/07/22. Sendo assim, optou-se pela entrega presencial, tornando o processo de análise dos documentos mais ágil e permitindo que os prazos para finalização do concurso e contratação sejam cumpridos", dizem.

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"O caput do art. 2º da Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão) conceitua de forma genérica como "pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". O art. 4º do Decreto nº 3.298/1999 e o Enunciado da Súmula nº 377 do STJ, por sua vez, tão somente detalharam tal conceito, de sorte a inexistir conflito ou contradição entre estes e a referida Lei. Assim, é certo que o presente concurso admite candidatos com deficiência, em consonância com a legislação que rege a matéria", completa a nota.

O blog Vencer Limites pediu esclarecimentos também à Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo. Além de enviar a mesma resposta, da USP (ipsis litteris), a pasta acrescentou que "reforça a importância de que toda a sociedade reconheça a pessoa com deficiência como um sujeito de direitos. Garantindo sua livre inclusão, participação e acessibilidade em todos os concursos, provas, testes e exames.

Nesse sentido, há a necessidade de um olhar para as especificidades de cada deficiência, de forma que não existam barreiras para o acesso dessas pessoas no exercício dos seus direitos.

O Governo de São Paulo tem trabalhado ativamente para que as pessoas com deficiência participem ativamente em todos os âmbitos da sociedade. Tendo como base a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que é a lei que garante esses direitos às pessoas com deficiência no nosso País, temos incentivado que a inclusão e acessibilidade estejam sempre presentes para que a pessoa com deficiência possa exercer seu protagonismo e independência.

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Nessa perspectiva, a Secretaria tem impulsionado reflexões com representantes de universidades públicas do Estado de SP por meio da criação de um Grupo de Trabalho sobre o Ensino Superior Inclusivo. A ação visa garantir o avanço das políticas de inclusão das pessoas com deficiência nas Universidades, como acesso, permanência e apoios necessários", respondeu a secretaria que, em teoria, conhece a realidade dos problemas de acessibilidade e, também em teoria, defende a autonomia e a independência da população com deficiência, mas considera mais ágil a entrega presencial de um laudo que identifica uma pessoa com deficiência.




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