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Diversidade e Inclusão

O peso da invisibilidade das pessoas com deficiência

Adolescente pernambucano com paralisia cerebral percorre 1.400 quilômetros toda semana para fazer tratamento especializado em Recife. Mãe do rapaz denuncia falta de acessibilidade nos ônibus rodoviários e desrespeito de motoristas. Família mora em Lagoa Grande, mas a Prefeitura alega não ter condições de atender o jovem. "Não é possível que o Brasil permaneça, como faz há décadas, fingindo que não existem pessoas com deficiência", afirma especialista em direitos do cidadão com deficiência. Situação é flagrante descumprimento da Lei Brasileira de Inclusão, de outras legislações do setor e até da Constituição.

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:


Victor Gabriel Caldas Saraiva, de 15 anos, tem tetraparesia severa provocada por uma paralisia cerebral. Mora na cidade de Lagoa Grande, interior de Pernambuco, a 700 quilômetros de Recife. Essa, aliás, é a distância que o menino percorre com a mãe, a dona de casa Jucineide Santana de Caldas, de 38 anos, duas vezes por semana, há 12 anos, para receber tratamento especializado na Apae da capital pernambucana.

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O trajeto é feito em ônibus da Auto Viação Progresso, com passagens subsidiadas pela Prefeitura de Lagoa Grande, por meio do TFD (Tratamento Fora de Domicílio), instrumento legal do Ministério da Saúde, conforme a Portaria Nº 55, de 24 de fevereiro de 1999.

Além do longo tempo de viagem, as dificuldades enfrentadas por Victor e Jucineide são agravadas pela falta de acessibilidade nos veículos da Progresso. Neste ponto, é importante destacar que todos os prazos para a oferta de recursos acessíveis no transporte coletivo rodoviário (frota de veículos e infra-estrutura dos serviços) já foram encerrados, conforme determinado no Decreto 5.296/2004.

A situação é flagrante descumprimento da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015) no que diz respeito ao atendimento prioritário (Art. 9º), na questão do direito à saúde (Art. 18º) e, principalmente no que se refere ao transporte e à mobilidade (Capítulo X, Art. 46º ao Art. 52º) e no direito à acessibilidade (Art. 53º ao Art. 62º).


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Jucineide afirma que já tentou conversar várias vezes com a Progresso e jamais foi ouvida pela empresa. Em um dos casos, no dia 16 de dezembro de 2018, um domingo, ela precisava embarcar no ônibus com partida para Recife às 20h, mas diz ter sido destratada por funcionários da companhia.

"Nos deram as poltronas 23 e 24, que não são acessíveis e ficam no meio do veículo. Questionei o motorista, perguntei se ele poderia priorizar nosso embarque, mas ele foi muito ignorante e mal educado, gritou comigo e disse que não era responsável pela poltronas, apenas pelas passagens, que não tinha obrigação de colocar a cadeira de rodas e nossas malas no bagageiro", conta a dona de casa.

"Nesse dia, eu pedi para o motorista parar na base de Polícia Rodoviária Federal, mas ele se recusou a ainda ameaçou chamar a Polícia Militar. Eu falei que seria até melhor, mas ele não chamou. Então, gravei um vídeo", conta Jucineide.



O #blogVencerLimites entrou em contato com a Auto Viação Progresso, que tem sede na cidade de Jaboatão dos Guararapes, e pediu esclarecimentos sobre a falta de acessibilidade nos veículos e sobre a conduta do motorista citado por Jucineide, mas a empresa não respondeu.

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A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela regulação, supervisão e fiscalização dessas atividades, tem um setor específico para o envio de denúncias, inclusive sobre os problemas de acessibilidade.

Para fazer a reclamação, o usuário pode ligar para o telefone 166, que é gratuito e funciona todos os dias, durante 24 horas. Também é possível enviar mensagem para ouvidoria@antt.gov.br ou correspondência para Setor de Clubes Esportivos Sul (SCES), lote 10, trecho 03, Projeto Orla Polo 8 - CEP: 70200-003 - Brasília / DF. Neste mesmo endereço há atendimento presencial de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h.

A ANTT mantém ainda atendimento online que pode ser acessado no endereço http://www.antt.gov.br/faleConosco/index.html.


IMAGEM 02: Prefeitura de Lagoa Grande (PE). Crédito: Google Maps (clique para ver no mapa).  Foto: Estadão


RESPOSTA - O prefeito de Lagoa Grande, Vilmar Cappellaro, está viajando, mas conversou com o #blogVencerLimites por Whatsapp. Ele afirma que os recursos do município são escassos.

"No ano de 2018 investimos aproximadamente 23% de recursos na Saúde, enquanto a lei exige 15%. Ainda assim, é insuficiente", diz o Prefeito "Atendemos moradores de outras cidades no Hospital Municipal (José Henrique de Lima)", destaca Cappellaro.

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No website da Prefeitura, a unidade citada pelo prefeito é chamada de "orgulho do povo de Lagoa Grande", segundo texto publicado no dia 25 de setembro de 2018.

A secretária de Saúde do município de Lagoa Grande, Samara Martins, informou que está em trâmite uma solução para o problema.

"A viação Progresso irá fornecer seis poltronas acessíveis", garantiu a secretária. "A passagem passará para a categoria de ônibus 'leito', no qual não há necessidade de escadas e as poltronas são mais amplas", explicou Samara Martins.

"Já entramos em contato com a empresa para tratar especificamente da acessibilidade", confirmou a secretária de Saúde de Lagoa Grande, sem especificar prazos.


 Foto: Estadão


DIREITOS - "A questão da saúde de Victor Saraiva envolve componentes que precisam ser atendidos de acordo com sua necessidade, tendo em vista o seu bem estar", afirma Teresa Costa d'Amaral, superintendente do IBDD - Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

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"O tratamento do Victor tem de ser continuado e permanente, feito ao menos duas ou três vezes por semana, mas não se trata de um procedimento de alta complexidade, que exija um serviço sofisticado de atendimento e atenção. E esse tratamento deveria estar disponível em todos os municípios", defende a especialista.

"A cidade onde a família mora (Lagoa Grande/PE) é pequena, mas a oferta desse tipo de atendimento não iria exigir grandes recursos. E se isso está longe do padrão do município, poderia ser feito na rede particular, pago pela Prefeitura, até mesmo em cidades próximas, da mesma região, sem a necessidade de percorrer 1.400 quilômetros", diz a superintende do IBDD.

"Não é possível que o Brasil permaneça, como faz há décadas, fingindo que não existem pessoas com deficiência que precisam de atendimento permanente, algo que modifica o padrão básico da estrutura de saúde de qualquer município. É preciso reverter de uma vez por todas essa total invisibilidade", completa Teresa Costa d'Amaral.


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