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Diversidade e Inclusão

"Relatos de terror se multiplicam. Em um dia, 28 pessoas morreram asfixiadas"

Moradora de Manaus descreve ao #blogVencerLimites a situação na cidade. Luciane Fridschtein tem um filho de 8 anos com múltiplas deficiências, doença renal crônica, um rim transplantado e que toma imunossupressor duas vez por dia. "Não tem oxigênio para ninguém, com ou sem covid".

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
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Luciane Fridschtein mora em Manaus (AM), onde a falta de cilindros de oxigênio está provocando a morte por asfixia de pacientes com covid-19 e outras doenças. Servidora pública municipal na área de Previdência, é mãe de um menino de 8 anos que têm múltiplas deficiências, doença renal crônica, um rim transplantado e que toma imunossupressor duas vez por dia.

Ela enviou ao #blogVencerLimites um relato detalhado da situação que a população da capital amazonense está enfrentando.

"Penso nos prematuros, que não têm a chance que meu filho teve quando nasceu e sofreu uma parada cardíaca. Não tem oxigênio para ninguém, com ou sem covid", diz.


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Descrição da imagem #pracegover: Foto da enfermeira do Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto, em Manaus (AM). Crédito: Luciane Fridschtein (14/1/2021).  Foto: Estadão


Leia o relato de Luciane Fridschtein

Em dezembro do ano passado, notamos os casos aumentando, mas nem de longe imaginamos que Manaus ficaria assim. Depois do Natal, perdi a primeira pessoa próxima, o marido da minha prima. Ficamos todos abalados.

Foi na mesma época em que o governador decretou o fechamento do comércio. Muitas pessoas saíram em protesto na rua para pedir a reabertura do comércio. Uma super aglomeração pela morte. O governador cedeu.

A Justiça garantiu o fechamento do comércio, mas mesmo assim ainda havia um protesto marcado para o dia 5 de janeiro. No dia 4, começou a morrer bem mais gente. Uma grande amiga morreu e, antes que eu aceitasse essa perda tão repentina, começaram a chegar as notícias de várias mortes, uma após a outra.

Eu, que vivo em quarentena há quase um ano, voltei a me isolar com o meu marido e meus filhos, como no primeiro pico, em abril do ano passado.

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No dia 5, ninguém foi para a passeata marcada. Algumas pessoas do comércio reconheceram que seria um erro, mas já era tarde, com recordes de novos casos e os número de enterros crescendo l dia após dia.

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As pessoas começaram a ficar com medo do celular. Só notícia de morte, UTI e intubação. Nossas redes sociais ficaram cheias de imagens de luto e pedidos de oração. As emergências dos hospitais particulares fecharam.

A partir daí foi ladeira abaixo. Relatos, vídeos, fotos e desabafos. Enfermarias com capacidade para 30 pessoas que estavam com 100 pacientes, um cenário de guerra e os médicos decidindo quem salvar.

Em casa, uma sensação de morte na porta. Cuidados redobrados. E o números de más notícias aumentando. Familiares, amigos, conhecidos, parentes dos amigos, amigos dos parentes. Gente nova e sem comorbidade começaram a entrar na lista das vítimas.

Os grupos de Whatsapp, Facebook e Instagram compartilhando números de quem vendia oxigênio. E depois a luta já era por UTI aérea, até que, no dia 14, soubemos que 28 pessoas haviam morrido asfixiadas. Minha tia, que vinha evoluindo relativamente bem em casa, foi para o hospital e logo pra UTI. Muito desespero de ver as pessoas morrendo asfixiadas por falta de oxigênio. Relatos de pessoas morrendo uma depois da outra, quase simultaneamente. Médico relatando que só conseguia administrar morfina para diminuir o desconforto da morte por asfixia.

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Veio o toque de recolher e as pessoas já não procuravam por oxigênio, ninguém tinha. E começou a corrida por UTI aérea e leito fora daqui. Uma corrida contra o tempo garantido pelo que restava de oxigênio no cilindro.

Desde o fim da tarde ontem (14/01/2021), passo a madrugada procurando oxigênio, UTI e leito para a minha tia. Todo mundo compartilhando contatos. Cansada de tanto ligar, me deitei na rede e ouvi o silêncio.

Os relatos do dia de terror dos médicos nos hospitais se proliferam. Muitos foram como voluntários tentar salvar as pessoas com manobras braçais mesmo. Com esses relatos pipocando, a gente foi entendendo que, para muitas pessoas, iria acontecer o mesmo daquelas primeiras 28 que morreram no dia anterior, por asfixia.

Foi aí que eu me lembrei do começo da pandemia, quando as notícias da Itália eram terríveis, mas não tinha ninguém nas ruas e só havia um silêncio. Silêncio da morte, silêncio de medo. Muito triste. E como é que se dorme depois de um dia desses?

Hoje, ouvi que o número de novos casos passou de uma média de 1.400 para 3.000. Havia a notícia de que o oxigênio tinha chegado de manhã. Ainda estávamos digerindo a pior noite de todas quando, no fim da manhã, começou tudo de novo. O Centro de Oncologia (Cecon) já estava sem oxigênio. E os outros estavam de novo acabando. Aí realmente não deu pra segurar. Chorei de tristeza, de impotência e pelas pessoas da minha cidade, que vi crescer e que tiveram suas vidas interrompidas, como se fossem um engano

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É a coisa mais triste que eu já vi. Uma cidade morrendo asfixiada.

De tudo, o que pessoalmente achei mais triste foi ouvir do ministro da Saúde, cidadão amazonense e especialista em logística, que a solução aqui era fazer o tratamento precoce. Quanta irresponsabilidade. Manaus fez tanto o polêmico tratamento precoce que houce falta de ivermectina. Ele simplesmente veio aqui para lavar as mãos.

Nossa cidade ainda tem muito pela frente em janeiro, levaremos mais tempo ainda para processar tudo isso.

Meu filho mais velho tem doença renal crônica e é transplantado. Toma imunossupressor duas vez por dia e ainda teve a dose aumentada recentemente por que estava em principio de rejeição do rim transplantado. David também tem deficiências multiplas e precisa sempre de alguém com ele. Estamos aqui, trancados e vendo a cidade sem ar, literalmente.


REPORTAGEM COMPLETA EM LIBRAS (EM GRAVAÇÃO)

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Vídeo produzido pela Helpvox com a versão da reportagem na Língua Brasileira de Sinais.


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