Instituições internacionais afirmam que o abandono das pessoas com deficiência da Ucrânia durante os ataques da Rússia e o perigo real dessa população, aproximadamente 2,7 milhões de habitantes, ser dizimada na guerra, expuseram ao mundo a antipatia dos ucranianos aos indivíduos com deficiência.
Enquanto isso, no esporte paralímpico, a Ucrânia é uma potência. Ocupa neste momento a terceira posição nos Jogos Paralímpicos de Inverno, disputados até 13 de março em Pequim, na China, e usa essa competição para reafirmar sua resistência ao governo russo. No ano passado, ficou em sexto lugar nas Paralimpíadas de Tokyo.
Nessa contradição, é fácil entender que, não apenas na Ucrânia, uma pessoa com deficiência só tem valor quando sustenta uma mensagem positiva de superação e resiliência. Aqueles que precisam de apoio constante, demandam cuidados específicos, sem a possibilidade de serem produtivos (ou impedidos), usados como reforço ao estigma do herói, de nada servem e são isolados, esquecidos, deixados para trás.
Em artigo publicado pelo National Observer, do Canadá, a escritora, palestrante e mulher com deficiência Emily Macrae explica de que maneira a história mostra por que pessoas com deficiência na Ucrânia e na Rússia são negligenciadas.
O texto de Macrae é uma ataque direto ao governo russo e relembra que, em 1980, quando Moscou sediou as Olimpíadas, a União Soviética se recusou a incluir eventos paralímpicos sob o argumento de que não havia 'inválidos' na URSS.
"A discriminação profundamente enraizada contra pessoas com deficiência é apenas um exemplo de como a Rússia opera fora do Estado de direito. No entanto, poderia ter servido como uma dica para outros abusos de poder. A Rússia assinou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2012, mas a implementação continua limitada", ressalta a escritora.
Considerando a absorção da Ucrânia pela União Soviética em 1922 e a recuperação da independência em 1991, com a desintegração da URSS, fica evidente a semelhança entre as duas nações no que diz respeito ao preconceito contra as pessoas com deficiência e ao capacitismo.
"O sucesso paralímpico da Ucrânia é um paradoxo para um país que, como a Rússia e outros países pós-comunistas, luta com altos níveis de institucionalização e infraestrutura acessível limitada. Apesar desses desafios, uma rede de programação de esportes adaptados em todas as regiões do país cria talentos para os Jogos Paralímpicos e contribui para uma cultura vibrante de eventos esportivos acessíveis", observa Macrae.
Países vizinhos já receberam quase 2 milhões de cidadãos ucranianos, mas a presença de pessoas com deficiência nesse grupo é mínima. Além disso, não há nenhuma informação oficial sobre a quantidade específica.
Ações isoladas para tentar resgatas crianças, jovens, adultos e idosos com deficiência, de todos os tipos e diferentes sequelas, leves a severas, têm obtido algum sucesso.
A organização Inclusion Europe informou nesta terça-feira, 8, que a Polônia já recebeu ao menos 500 crianças orfãs com deficiência da Ucrânia. Outra instituição, a Joni and Friends, divulgou a chegada de mais 42 pessoas com deficiência às fronteiras nos últimos dias.
É fundamental, para nós aqui no Brasil, avaliar de maneira muito mais profunda e abrangente o que a guerra entre Rússia e Ucrânia está impondo às pessoas com deficiência. Não se trata de um episódio histórico distante, do outro lado do mundo, que jamais vai bater na nossa porta. Ao contrário, é sim uma importante comprovação dos reflexos da discriminação, da invisibilidade, da falta de acessibilidade, do preconceito e do capacitismo na vida de todas as pessoas com deficiência, principalmente em momentos de violência.
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