Um sistema de cotas, qualquer sistema de cotas, por si só, denuncia um desequlíbrio, ou seja, existe porque o equilíbrio de oportunidades nessa atividade, seja de trabalho, de educação ou outro setor, não é natural, não se ajusta de maneira automática, o que exige uma ação de contrapeso para garantir que pessoas excluídas, desfavorecidas, sejam colocadas e apoiadas. A Lei de Cotas, além de enfiar o pé na porta e obrigar empresas a contratarem pessoas com deficiência, conseguiu, por meio dessa obrigação, transformar o ambiente das corporações, mesmo que muito devagar, e mostrar que a deficiência não é o impeditivo, que os bloqueios são erguidos pela falta de acessibilidade, de recursos acessíveis, impedindo a chegada de muitos talentos. Há quem já tenha se conscientizado dessa realidade e construído programas de inclusão sólidos, com resultados muito positivos, e há quem ainda vire a cara.
O direito ao trabalho está garantido a todas as pessoas, com e sem deficiência, na Constituição (1988), amparado pela CLT, a Consolidação de Leis do Trabalho. Para pessoas com deficiência, esse direito é reforçado pela Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) e, há 31 anos, exercido à força com base na Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, chamada de Lei de Cotas.
Direito exercido à força porque, caso não existisse a Lei de Cotas, pessoas com deficiência jamais seriam contratadas por empresas públicas ou privadas. Essa afirmação pode parecer alarmista, pessimista, mas hoje o número de pessoas com deficiência contratadas formalmente, ou seja, com todos os direitos que a CLT estabelece, não chega a 500 mil - são 468 mil, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Pesquisas do setor, muitas publicadas neste blog, mostram algo em torno de 1% das empresas do Brasil com programas sólidos de inclusão e, nessas mesmas pesquisas, mais de 90% das corporações brasileiras afirmam categoricamente que só contratam pessoas com deficiência para cumprir a cota.
Considerando que temos no País 17 milhões de pessoas com deficiência (número oficial do atual governo) e, também conforme muitos estudos do setor, aproximadamente 7 milhões de pessoas com deficiência que podem trabalhar, há um buraco gigantesco a ser coberto para que possamos celebrar realmente a inclusão no trabalho.
Nos últimos três anos, a Lei de Cotas sofreu diversos ataques, construídos pelo lobby de quem não tem o menor interesse na diversidade e na inclusão, com apoio de integrantes do governo federal e do Congresso Nacional.
Já teve medida provisória, do presidente Bolsonaro, para misturar nas cotas pessoas com deficiência e jovens sob proteção do Estado, proposta com aval da Secretaria Nacional da Juventude, que faz parte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Já teve PL de deputado que permitiria às empresas demitir o empregado com deficiência sem incluir um substituto também com deficiência na mesma vaga e ainda estabelecia um prazo de 90 dias para essa substituição, isso porque a Lei de Cotas determina que o funcionário com deficiência só pode ser demitido quando outro profissional com deficiência já tiver sido contratado para a mesma função.
A Lei de Cotas é, na verdade, a legislação que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Toda a parte que trata da inclusão de pessoas com deficiência no trabalho está no artigo 93, inclusive a fiscalização. E essa fiscalização, embora tenha melhorado na última década, ainda tem muito para ser aperfeiçoada.
LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados = 2%;II - de 201 a 500 = 3%;III - de 501 a 1.000 = 4%;IV - de 1.001 em diante = 5%.
§ 1º A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 2º Ao Ministério do Trabalho e Emprego incumbe estabelecer a sistemática de fiscalização, bem como gerr dados e estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por pessoas com deficiência e por beneficiários reabilitados da Previdência Social, fornecendo-os, quando solicitados, aos sindicatos, às entidades representativas dos empregados ou aos cidadãos interessados. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 3º Para a reserva de cargos será considerada somente a contratação direta de pessoa com deficiência, excluído o aprendiz com deficiência de que trata a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
Pessoas com deficiência são protagonistas também na comédia. No dia 22 de julho, sexta-feira, a partir das 21 horas, vai ter Festival Risadaria com Braz Fernandes, David Amatto, Jeffinho Farias, Mario Pirata, Paulo Fabião e Vann Silva. É o INCLURISO, com um grupo de humoristas com deficiência que mostra por que rir do capacitismo, dos preconceitos e da discriminação é muito melhor. Será no Clube Barbixas, que fica na Rua Augusta, n° 1.129, na Consolação, em São Paulo (clique aqui).