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Diversidade e Inclusão

"Você precisa agarrar as oportunidades"

Cego desde a adolescência, o engenheiro Felipe Rigoni Lopes afirma que acessibilidade é fundamental para o sucesso de pessoas com deficiência em qualquer área. "Destacar uma conquista sem mostrar os mecanismos que possibilitaram essa vitória engana a pessoa com deficiência, faz essa pessoa acreditar que somente os escolhidos conseguem tudo sozinhos e, se ela não chegar lá, é 'pior' do que os outros. A mensagem ‘se você quiser, você consegue’ é importante, mas precisa haver oportunidade".

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Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:

"O que impede o acesso da pessoa com deficiência à universidade é conseguir concluir a educação básica, o ensino médio", diz Felipe Rigoni Lopes. Imagem: Divulgação  


O engenheiro Felipe Rigoni Lopes, de 25 anos, está pronto para encarar uma nova etapa. Vai morar na Inglaterra e cursar mestrado em políticas públicas na Universidade de Oxford, com bolsa da Fundação Estudar. Cego desde os 15 anos, celebra a oportunidade e afirma que a conquista faz parte de um processo de 12 anos.

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"Dependi muito mais de ajuda do que da minha própria vontade. Não podemos retratar somente o esforço individual e negligenciar o que está ao redor. Não basta só a oportunidade, tem que querer agarrá-la. E eu tive várias".

Em entrevista ao #blogVencerLimites, ele questiona a forma estigmatizada que ainda persiste na apresentação da pessoa com deficiência na imprensa e na mídia, como "o coitadinho que conseguiu", mas ignorando os mecanismos que possibilitaram essa conquista.

"Isso reforça a sensação de incompetência. Cria uma massa de pessoas que se entendem como piores porque têm deficiência e somente alguns escolhidos conseguiram tudo sozinhos. A mensagem 'se você quiser, você consegue' é importante, mas precisa haver oportunidade".

Graduado em engenharia de produção pela Universidade Federal de Ouro Preto (MG), Felipe Rigoni Lopes foi presidente da empresa júnior do curso, dobrou o número de consultorias realizadas em um ano e aumentou o faturamento em 16 vezes, além de ser representante dos alunos.

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Iniciou em 2013 os estudos de coaching. Três anos depois, concliu o curso de Ciências Holísticas e Economia para transição da Escola Schumacher Brasil, em parceria com a Schumacher College, da Inglaterra. Em 2014, presidiu o conselho da Federação Mineira de Empresas Juniores. No ano seguinte, foi presidente do conselho da Confederação Brasileira de Empresas Juniores.

Em Linhares (ES), onde nasceu, conduziu mais de 50 processos de coaching. Já ministrou mais de 80 palestras pelo País.

Felipe Rigoni Lopes conduziu mais de 50 processos de coaching e ministrou mais de 80 palestras pelo País. Imagem: Divulgação  


"Para o mestrado em Oxford, a ajuda que estou recebendo é incrível. Eles têm uma pessoa que vai me guiar ao longo das aulas, vários utensílios domésticos com tecnologias desenvolvidas para ajudar quem tem deficiência visual, vou ter aulas sobre como navegar com as questões tecnológicas de acordo com a minha deficiência. O sistema de TI já é planejado para leitores de tela. Estão muito à frente".

Da época de estudante em Ouro Preto, Felipe lembra do núcleo de educação inclusiva, que tinha poucas pessoas com deficiência. "O que impede o acesso à universidade é a educação básica, o ensino médio. Temos muitos problemas de acesso, até mesmo físico. Muitas pessoas não frequentam a escola porque não conseguem ir fisicamente, não só por causa de deficiência, até quem tem deficiência visual, mas porque não conseguem chegar até lá. Todas as soluções que existem, apesar da Lei Brasileira de Inclusão, estão muito soltas. O sistema não é acessível, a estrutura não é acessível. Então, depende demais dos indivíduos. O meu caso foi uma exceção da exceção, não é porque sou mais esforçado do que os outros, mas só consegui porque pessoas ao longo do caminho foram me ajudando e me proporcionado oportunidade que eu não teria se dependesse do sistema".

No que diz respeito à legislação brasileira e aos diretos da pessoa com deficiência, o engenheiro avalia de forma positiva os princípios básicos da LBI, criada para o desenvolvimento integral da pessoa com deficiência. "A lei é muito bem desenhada em torno da autonomia da pessoa, mas é uma lei. Não é uma realidade. É um grande começo, um grande marco, mas depende de implementação. A vida não se dá pela leitura da lei, mas em encontros e relações no mundo, não no papel. Precisamos encurtar esse caminho".

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O Brasil, na opinião de Felipe Rigoni Lopes, pode ensinar a outros países sobre empatia. "A ajuda que recebo aqui é brutalmente diferente do que nos EUA. Não ter essa ajuda na minha experiência de intercâmbio foi bom, porque eu desenvolvi grande capacidade interpessoal, mas foi muito duro, porque as pessoas não são super engajadas em ajudar os outros".

Com muita experiência, apesar de ainda jovem, Felipe afirma que países como Estados Unidos podem ensinar sobre sistemas, ainda que tenham falhas, desenhados para incluir.

Felipe Rigoni Lopes ministra palestra no Encontro Anual da Fundação Estudar. Imagem: Divulgação  

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"Somos 45,6 milhões de pessoas com deficiência do Brasil, mas apenas 7,45 milhões concluíram o ensino médio e 2,8 milhões têm formação universitária", destaca. "Um bom exemplo de programa municipal de acessibilidade está em Curitiba (PR), que é modelo para outras cidades, mas eu percebo que os cidadãos com deficiência são excluídos até entre os excluídos. Toda vez que se fala de diversidade e de combate à desigualdade, destaca-se especialmente negros e mulheres, mas a pessoa com deficiência é esquecida", comenta. "Nas universidades temos excelentes núcleos de inclusão que, mesmo sem recursos, fazem um trabalho muito legal. E a população ajuda muito. É o que me fez evoluir na vida. A ajuda de pessoas que estão ao meu redor. Isso é muito importante".

Especificamente sobre a deficiência visual, Felipe Rigoni Lopes afirma que a tecnologia ajuda. "Minha vida foi facilitada por celulares e computadores com leitores de tela, mas isso levanta uma outra questão. Todas essas tecnologias são muito caras, o que reforça a exclusão. O software de leitura de tela que eu uso custou R$ 4.500 e tem muita gente que não consegue pagar um programa desse".

Outra questão apontada pelo engenheiro é a mobilidade urbana, segundo ele, ainda muito ruim no Brasil. "Em poucos lugares você encontra sinalizações adequadas. Eu nunca pude evoluir para andar com a bengala ou com cão-guia porque não encontrava auxílio. Então, comecei a pedir ajuda às pessoas. Existem movimentos muitos legais de melhoria, mas ainda não eclodiram, estão em estágios prematuros".

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