
28 de Agosto de 2015 | 00:00
Atualizado 28 de Agosto de 2015 | 16:04
A economia brasileira está em recessão. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou 1,9% no segundo trimestre ante os três primeiros meses do ano. Diante do quadro econômico, afetado também pela crise política no País, a principal pergunta dos brasileiros é se é possível vislumbrar uma recuperação.
Veja o que Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, Igor Rocha, pesquisador em Cambridge e José Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília, pensam sobre o assunto e dê a sua opinião: a economia brasileira deve melhorar daqui para frente?
Igor Rocha
Economista
Economistas do mercado e acadêmicos já vinham digerindo no último semestre uma retração praticamente certa e possivelmente contínua da economia brasileira até 2016. Seria esse o fundo do poço? Difícil dizer, e qualquer especulação a respeito poderia soar como otimismo ingênuo ou terrorismo econômico. A crise da economia brasileira envolve questões estruturais, conjunturais e políticas intimamente relacionadas. Tentarei elencar as três, reconhecendo pecar pela simplicidade de abordar um assunto tão complexo de forma aqui tão breve.
No âmbito estrutural, a economia brasileira carrega fragilidades de longa data, constituídas após os anos 1980, que afetam a competitividade do País e condicionam o crescimento a uma dinâmica de 'stop and go'. Neste tocante, destacam-se, especialmente, o desempenho pífio da produtividade, a desarticulação das cadeias produtivas e o baixo dinamismo industrial no âmbito produtivo e comercial de setores tecnologicamente mais dinâmicos. A reversão deste quadro carece de uma maior articulação entre a política macroeconômica, particularmente câmbio e juros, e a política industrial. Caso contrário, esta última se torna inócua, a despeito do enorme esforço empreendido nos últimos anos por parte do governo.
Outro fator explicativo sobre a retração da economia é a conjuntura econômica internacional. A forte expansão sinoamericana que se cristalizou em um significativo dinamismo global nos anos 2000 teve suas estruturas solapadas pela eclosão da crise financeira de 2008. Estados Unidos, Europa e China passaram a não esboçar mais o mesmo dinamismo anterior. O atual impasse econômico que se encontram economias europeias (Portugal, Itália, Espanha, Irlanda e Grécia) não parece apresentar uma saída no curto prazo. Neste ambiente, em que o caso grego é o mais grave, a União Europeia aparenta não compreender a impossibilidade de recuperação frente à imposição de políticas insistentemente contracionistas. Em uma economia globalizada, tanto períodos de boom quanto de crise se espraiam rapidamente. Em um quadro internacional de queda da demanda por bens manufaturados, o dinamismo chinês se contrai, arrefecendo a demanda por commodities brasileiras e, consequentemente, o dinamismo da economia historicamente dependente do setor primário.
No entanto, é importante enfatizar que a crise política no Brasil acentuou em grande medida fragilidades estruturais e os efeitos negativos da conjuntura internacional. A adoção de uma agenda de política econômica distante da proposta de campanha fez com que o governo federal se enfraquecesse para enfrentar os desdobramentos que se deram no último semestre. A perda de parcelas significativas da base aliada e de importantes setores da sociedade (movimentos sociais, intelectuais e acadêmicos) para enfrentar uma oposição pouco propositiva foi clara. O ajuste fiscal implementado em um contexto de deterioração das expectativas e os juros elevados para tratar uma inflação oriunda em grande medida de preços administrados solaparam qualquer possibilidade de contenção da crise que se desdobrava. Nesse ambiente, o investimento público seguiu na contramão do que seria esperado de uma política anticíclica, acentuando a retração do PIB. Dado uma conjuntura internacional que não parece esboçar uma recuperação no curto prazo e os persistentes gargalos estruturais, a continuação da atual política econômica apenas fará perdurar o atual cenário. Cabe ao governo repensar as suas estratégias antes que seja tarde demais.
doutorando na Universidade de Cambridge e membro da Cambridge Society for Social and Economic Development. E-mail: ilr23@cam.ac.uk
José Matias-Pereira
Economista e advogado
O Produto Interno Bruto (PIB), conforme divulgado recentemente pelo IBGE, encolheu 1,9% no segundo trimestre em relação ao anterior. Foi o pior resultado da economia brasileira desde o primeiro trimestre de 2009. Em relação ao segundo trimestre de 2014, a queda do PIB foi de 2,6%. No acumulado do ano, a retração do PIB foi de 2,1% na comparação com o primeiro semestre de 2014. As riquezas produzidas em quatro trimestres tiveram queda de 1,2% em relação aos quatro trimestres anteriores. O consumo das famílias, em relação ao segundo trimestre de 2014, recuou 2,7%, o pior resultado desde o último trimestre de 1997.
É possível prever, a partir desses indicadores, que o desempenho da economia (PIB) em 2015 deverá sofrer uma retração entre 2,5% e 3,0%, e que terá uma queda próxima de 1% em 2016. Esse desempenho do PIB brasileiro se assemelha aos indicadores dos PIB da Rússia e da Ucrânia, que estão em guerra. Estima-se que este ano a inflação medida pelo IPCA deverá ficar próxima de dois dígitos, e que em 2016 ela fique acima do teto da meta (6,5%). As taxas de juros Selic deverão continuar em patamares elevados. Nesse cenário de crise, a arrecadação de tributos está se retraindo fortemente, a taxa de desemprego já se aproxima de 9% da população economicamente ativa (PEA), e a renda do trabalhador está em queda. Nesse quadro socioeconômico trágico, a popularidade da presidente despencou para 8%, conforme comprova a pesquisa Datafolha, aumentando o número de pessoas que desejam o seu afastamento da presidência.
Assim, já vivendo nos piores dos mundos, em termos de credibilidade e legitimidade, a tentativa da presidente Dilma Rousseff de argumentar que "demorou a perceber a gravidade da crise econômica" só vem a contribuir para piorar a sua imagem junto à população. Argumentos inconsistentes, que soam como uma falsa "mea culpa", confirmam que a mandatária, nos moldes do comportamento que adotou na campanha eleitoral, por meio de mentiras, sofismas e falsas promessas, insiste em tratar os cidadãos-eleitores-contribuintes como pessoas desprovidas da capacidade de perceber a dimensão da crise política-policial, econômica e social que o País está enfrentando.
doutor em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri e pós-doutor em Administração pela USP. Professor de Administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em Contabilidade da Universidade de Brasília
Sergio Vale
Economista
Depois de tantos dados ruins divulgados ao longo do ano, questionar se o fundo do poço ainda está por vir dá certa sensação de desânimo. Mas, infelizmente, o restante do segundo semestre continuará trazendo notícias amargas na economia. O PIB do segundo trimestre, já em queda significativa de 2,6%, não viu seu pior momento. Este trimestre deve ter uma queda ainda pior, de 3,1%, não muito diferente do esperado para o quarto trimestre, de 2,9%. A crueza dos números não esconde a dificuldade pela qual passa o País, que pode ser dividida em três partes.
Primeiro, há um elemento estrutural que vai além da questão conjuntural de má política econômica feita nos últimos anos. O Brasil está atrasado em décadas na busca de caminho real para ampliar a produtividade, que passa por questões especialmente relacionadas ao capital humano (educação). A melhora da infraestrutura é um elemento a mais e nenhum país realmente se desenvolveu focando apenas nesse item, como o governo ainda parece fazer neste momento. Questões relevantes também, como o tamanho do Estado, passaram e passarão ao largo durante o governo Dilma.
Segundo, o esgarçamento de mais de 12 anos de um mesmo partido no governo, aliado às dificuldades de articulação que a presidente enfrenta, colocam dificuldades intransponíveis em mudanças mais relevantes necessárias de ser negociadas com o Congresso. Na falta dessa capacidade, coisas como a CPMF aparecem como cartada de desespero. O isolamento do Executivo manterá a tensão com o Congresso independentemente de serem os atuais presidentes do Legislativo a permanecer até o final de 2016. A permanência da presidente Dilma até o final do mandato é garantia de inoperância política por todo o período. No meio disso tudo, a Operação Lava Jato segue sem prazo para terminar.
Terceiro, a economia internacional tende a trazer notícias negativas nos próximos anos. A China passa por dificuldades internas causadas em parte pela incerteza na condução da política econômica, que quer ser mais liberal, mas enfrenta resistências para continuar tendo mão pesada do Estado. O risco de diminuição da capacidade de implementação de políticas aumenta sobremaneira nesse caso. Os EUA devem ter aumento de juros no ano que vem, o que tende a depreciar mais o real ao longo de 2016, causando mais riscos para a inflação, o que pode fazer com que o BC seja mais agressivo do que deveria na taxa de juros. A América Latina enfrenta riscos significativos, especialmente na Venezuela, mas também com incertezas no crescimento da Argentina e do México. Por fim, o cenário de baixa de commodities, especialmente em minério de ferro e petróleo, tende a afetar empresas importantes nos dois setores.
Esse cenário especialmente adverso é o contrário do que se via em 2003, também ano de crise, mas, quando se analisava os anos seguintes, não se viam complicações tão intensas e conjuntas como as que se vê agora. Por isso também, 2016 não deve ser como 2004, quando a economia saiu de um crescimento de 1,2% em 2003 para 5,7% no ano seguinte. Agora, a queda de PIB de 2,5% deverá ser seguida de nova queda em 2016, de 1%. Olhando por uma perspectiva mais de longo prazo, a verdade é que teremos um contínuo e longo fundo do poço, que se estende por todo o governo Dilma. Se tudo der certo, devemos ter média de expansão anual de PIB de 0,9% ao longo desses oito anos. Apenas como comparação, a média anual de expansão do período Collor/Itamar ficou em 1,2%. Difícil pensar em algo mais desastroso para o País.
economista-chefe da MB Associados
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