25% dos presos têm doença mental

Em alguns casos de transtornos graves, taxa de doentes em presídios de SP é até 3 vezes maior que a da população

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Por Fabiane Leite
Atualização:

Quando a costureira Maria notou os primeiros sinais de doença mental no filho, João (os nomes são fictícios), que cumpria pena por assalto, recebeu uma explicação simples de outro detento. "O rapaz se aproximou e disse: ?Senhora, ele está com problema psicológico. Isto aqui tem sido cruel pra ele?." Estudo inédito feito pela Universidade Federal de São Paulo, em parceria com o governo do Estado, revela que um quarto dos detentos e quase a metade das mulheres confinadas no maior sistema prisional do País, o da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, manifestaram ao menos uma doença mental no ano anterior à avaliação - realizada a partir de maio de 2006 e encerrada este ano. São ao menos 30 mil homens doentes sem nenhuma assistência organizada nas prisões paulistas, que tem uma população majoritariamente masculina (96,5% do total). A pesquisa mostrou ainda taxas de doenças graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar, até três vezes maiores do que as da população em geral. O estudo não envolveu pessoas que foram consideradas inimputáveis no curso do processo, por causa da doença mental, que cumprem medida de segurança em casas de custódia e hospitais administrados pela SAP - ou seja, só participaram presos recolhidos em presídios comuns. Nesse grupo, 62% das mulheres e 78% dos homens já foram vítimas de transtornos psiquiátricos ao longo da vida. Os resultados, divulgados na semana passada no evento Ação Global para o Aprimoramento Mundial da Saúde Mental - parte de uma iniciativa da revista científica inglesa The Lancet -, chocaram alguns dos maiores especialistas do Brasil, que vêem nos números uma prova de que doentes mentais têm recebido apenas a cela como assistência. Os pesquisadores entrevistaram 1.836 dos 124.569 presos sob custódia da SAP, todos do regime fechado - exceto os do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), mais rígido. "Não é que doentes mentais cometam mais delitos do que a população, mas é que, sem tratamento, estão mais expostos a situações de risco, que podem levá-los à prisão", afirma o psicólogo Wagner Ribeiro, um dos responsáveis pela pesquisa, ao lado dos psiquiatras Sérgio Andreolli e Maria Inês Quintana. "Essas pessoas estão adoecendo ou ficaram mais doentes. Visitamos mais de 20 unidades prisionais e posso afirmar que, assim como no mundo todo, elas não têm recursos para tratar problemas mentais". Para o professor titular de Psiquiatria da USP Valentim Gentil Filho, "a sociedade maltrata uma parte dos que, por estarem doentes, não seguem regras." "Na cadeia, essas pessoas são vítimas de si mesmas. Também lá ninguém lida bem com a doença mental e são esses doentes que assumem a culpa e apanham." Na sexta-feira, a assessoria da SAP informou que o secretário Antônio Ferreira Pinto estava em viagem e não poderia comentar a pesquisa.

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