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A 100 metros do Vaticano, o Sínodo ‘de portas abertas’

Tenda da Casa Comum, iniciativa de 18 organizações, trouxe ao público as discussões do evento

Por Edison Veiga
Atualização:

Roma - Ao longo do mês de outubro, bispos e especialistas debateram questões ambientais e políticas e propuseram iniciativas que podem vir a mudar regras da Igreja Católica - como a possibilidade de ordenação de padres casados e uma maior participação das mulheres na liturgia. O cerne de todas as discussões estará no relatório que deve ser apresentado ao papa Francisco no fim do dia deste sábado, 26 - mas os encontros do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, realizados no Vaticano, como é praxe, foram às portas fechadas, sem a participação popular.

A tenda foi criada como “um espaço de oração, diálogo, reflexão e encontro para acompanhar os bispos durante os trabalhos sinodais” Foto: Edison Veiga/Estadão

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Para amplificar esses debates e inserir o povo nas discussões, 18 organizações distintas - como a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), as Missões Capuchinhas e a Cáritas - transformaram a Igreja de Santa Maria em Traspontina, pertinho da Praça São Pedro, em um verdadeiro sínodo alternativo. Ou, como preferem chamar os idealizadores, “suplementar”. Trata-se da Tenda da Casa Comum, que promove debates sobre temas correlatos desde o dia 5 de outubro - e a programação só termina no dia 30 (veja no site www.amazonia-casa-comun.org). 

“A proposta de estarmos aqui vem da nossa espiritualidade. Francisco de Assis nos impulsiona a estarmos ligados, interligados, conectados com toda essa realidade. A Casa Comum é uma proposta que nasceu no Brasil, na assembleia latino-americana dos bispos, em Aparecida”, diz ao Estado um dos organizadores, o frade capuchinho Paulo Xavier Ribeiro, pároco da Igreja de São Sebastião, de Manaus, Amazonas. Ribeiro refere-se ao encontro oficialmente denominado conferência do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), ocorrida em 2007 na cidade de Aparecida, no Vale do Paraíba

“É uma experiência muito interessante. Por aqui passam pessoas de todo o mundo, do Japão a Venezuela, da Austrália até o Brasil", ressalta. Ainda não há um balanço que estime a quantidade de pessoas que passou pelo local. "A Casa Comum vivenciou toda a experiência do diferente, da multiculturalidade. A proposta foi discutirmos aquilo que estávamos refletindo a partir do documento Instrumento de Trabalho, que os bispos trabalharam no Sínodo”, completa o frade. 

Conforme o folheto entregue na entrada da igreja carmelita esclarece, a tenda foi criada como “um espaço de oração, diálogo, reflexão e encontro para acompanhar os bispos durante os trabalhos sinodais”. Quem a visita, encontra as portas abertas e pode conferir exposição de fotografias da Amazônia, painéis com histórias de missionários martirizados - que ainda aguardam a chancela oficial da Congregação para as Causas dos Santos para poderem ser venerados - e conversar com religiosos e religiosas, de diferentes ordens, sobre os temas tratados no sínodo.

“Em uma tenda aberta e participativa todos oferecem o que têm para partilhar: aprendemos isto dos povos da Amazônia”, afirmou o conselheiro geral dos Missionários da Consolata, padre Jaime Carlos Patias, quando apresentou a ideia do projeto, em Roma, quatro meses atrás. 

A programação trouxe seminários sobre demarcações de terras indígenas, tratou dos riscos que a mineração acarreta ao meio ambiente, ressaltou produção literária de povos amazônicos, destacou a importância do papel da mulher na evangelização, entre outros assuntos.

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A polêmica das estátuas. A Igreja de Santa Maria em Traspontina acabou ganhando a mídia nos últimos dias por conta de uma polêmica envolvendo estátuas indígenas que estavam ali expostas durante a Tenda da Casa Comum. De madeira, as três obras simbolizavam a vida e a maternidade. Em um ato de vandalismo, elas foram roubadas e atiradas ao Rio Tibre - o ato foi assumido em vídeo por um grupo católico ultraconservador no último dia 21. Eles alegavam que eram ícones pagãos. 

A programação trouxe seminários sobre demarcações de terras indígenas e tratou dos riscos que a mineração acarreta ao meio ambiente Foto: Edison Veiga/Estadão

As peças foram recuperadas e, na sexta-feira, 25, o papa Francisco se manifestou sobre o tema. “Gostaria de dizer uma palavra sobre as estátuas de pachamama que foram retiradas da Igreja Santa Maria em Traspontina, que estavam lá sem intenções idolátricas e foram jogadas ao Tibre”, afirmou o sumo pontífice.

“Isso aconteceu em Roma e, como bispo da diocese, peço perdão às pessoas que foram ofendidas com este gesto”, disse o papa. Na organização da Igreja, o papa sempre acumula o cargo de bispo de Roma - e ao longo do seu pontificado, Francisco tem o hábito de reiteradamente lembrar disso, como forma de se colocar em pé de igualdade com o restante do episcopado.

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“Comunico que as estátuas, que criaram tanto clamor midiático, foram encontradas no Tibre. As estátuas não estão danificadas”, prosseguiu ele. O papa ressaltou que as peças permanecem sob a guarda da polícia romana e que o comando da mesma “ficará satisfeito em dar continuidade a qualquer indicação que se queira dar sobre a modalidade de publicação da notícia e por outras iniciativas que se queiram tomar sobre isso”, como por exemplo, ressaltou o pontífice, “a exposição das estátuas durante a Santa Missa de encerramento do Sínodo”, que ocorre no domingo. “Veremos”, disse Francisco que ainda comentou que “esse é uma boa notícia”.

Em comunicado, a Província de Roma informou que as investigações prosseguem com o Grupo de Tutela do Patrimônio Cultural da Procuradoria de Roma. 

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