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A acolhida é boa, mas trabalho não tem

O governo brasileiro abriu as portas para os refugiados sírios. Os problemas começam depois que eles chegam

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Por Redação
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Os brasileiros se orgulham do acolhimento caloroso que reservam aos estrangeiros. Quase todos os 204 milhões que compõem a população do País são descendentes de imigrantes ou de escravos africanos. O sentimento nativista é praticamente inexistente; quem vem de fora logo se funde à multicolorida sociedade brasileira. “O Brasil é a terra do acolhimento”, escreveu a presidente Dilma Rousseff em artigo recente sobre a crise de migração vivida pelo mundo. 

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Os braços do País estão abertos até para os refugiados sírios, cuja fuga para a Europa causou uma crise no Velho Continente. Nesta segunda-feira, o governo brasileiro assinou um acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, ampliando um programa criado há dois anos, cuja duração foi estendida por mais 24 meses, com o intuito de facilitar e acelerar a concessão de vistos. Os pedidos são feitos em países que têm fronteira com a Síria. O Brasil já emitiu 8 mil vistos para refugiados sírios e concedeu asilo a 2,1 mil deles. Isso põe o País à frente de Itália e Espanha (apesar de esses serem países menores). A parcela de muçulmanos na população brasileira, que hoje não passa de 35 mil pessoas, deve crescer. No total, 18 mil indivíduos entraram com pedidos de asilo e estão à espera de uma resposta. 

Perto das centenas de milhares de refugiados que devem chegar à Europa este ano, provenientes da Síria e de outros lugares assolados por conflitos, esses números são uma gota no oceano. Mas, em comparação com a quantidade de refugiados que o Brasil recebia até poucos anos atrás, formam uma enxurrada. Os pedidos de asilo formulados por estrangeiros, que chegavam a 566 em 2010, somaram 8.302 no ano passado. É pouco provável que algum dia o volume desses pedidos se aproxime do observado na Europa, em parte porque os refugiados precisam pagar pela viagem até o Brasil. 

Os burocratas do País, que em geral se distinguem pela morosidade com que atendem seus compatriotas, vêm se mostrando extraordinariamente eficientes no processamento da papelada dos refugiados. Ainda mais surpreendente é a rapidez com que os recém-chegados podem começar sua nova vida em território brasileiro. Vindo de Mali, Cheick Oumar desembarcou em São Paulo há menos de duas semanas, mas já ostenta orgulhosamente carteira de identidade e visto de trabalho temporários. 

As ONGs que cuidam dos migrantes elogiam tanta diligência, mas se queixam que, feito isso, o governo perde o interesse pelos refugiados, deixando a seu cargo uma quantidade excessiva de responsabilidades, como oferecer aulas de Português, garantir assistência jurídica e administrar abrigos, entre outras. Larissa Leite, da Cáritas, acha que as autoridades deveriam se empenhar mais em harmonizar os procedimentos entre diferentes níveis de governo e informar aos refugiados sobre seus direitos, incluindo o acesso ao programa de transferência de renda conhecido como Bolsa Família. 

A maioria dos refugiados prefere trabalhar a viver com ajuda do governo. Mas as projeções indicam que a economia brasileira encolherá 3% este ano, e está cada vez mais difícil encontrar um emprego. “Aqui tudo é maravilhoso, só não tem emprego”, diz Mobkaf Altawil, um arquiteto sírio que chegou ao Brasil há um ano, acompanhado da mulher, que é advogada. Altawil se sustenta com um pequeno negócio de pizzas. Mas há muitos outros que não têm a mesma sorte. Até que a economia volte a crescer, é pouco provável que o Brasil se torne um destino muito procurado - por mais calorosa que seja a acolhida.  © 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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