A cara da moda brasileira, muito além das passarelas

Entre tropeços e avanços, grifes nacionais buscam profissionalização definitiva do setor

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Que tendências de moda vão e vem com as estações todos já sabem. Que algumas tendências já nascem clássicas e que moda, como diz o clichê, é comportamento, cultura e negócios, também. No Brasil, o setor movimenta cerca de US$ 34,6 bilhões por ano. Na estação passada, há seis meses, os mais ?inseridos no contexto? fashion, e os menos, foram bombardeados não só pelas tendências outono-inverno mas também pelos anúncios das vendas de marcas de prestígio brasileiras para grandes grupos de administração. A julgar pelo movimento do mercado internacional, a união, ou venda, de grifes a grandes holdings, com capital de fundos de investimentos, é tendência que veio para ficar. Por aqui, e pelos corredores da SP Fashion Week, só se falava na venda da Herchcovitch, da Fause Haten e da Zoomp para a novíssima holding I?M (Identidade Moda, controlado pelo Fundo HLDC). De olho na profissionalização do setor e na globalização, Nelson Alvaregan se uniu ao grupo In Brands, para quem vendeu a Ellus e a 2nd Floor. Isabella Capetto também vendeu sua marca para a In Brands. Como costuma ocorrer, a estilista continua à frente da criação e o grupo, cuida da administração. "A estratégia não é adquirir 100% das marcas, mas formar parcerias para que cada uma mantenha seu estilo", explicou Alvarenga, conselheiro da Ellus e da In Brands. Hoje, às vésperas da SPFW 2008/09, a I?M (que em inglês também significa ?eu sou?) é ironicamente chamada de I was (eu era). Em abril, Herchcovith rompeu com o grupo e reassumiu o controle de suas marcas negociadas na venda (Herchcovitch Jeans e Herchcovitch; Alexandre, masculino e feminino). A Zoomp (da qual Herchcovitch também passaria a ser diretor de criação) , uma das mais tradicionais grifes brasileiras criada por Renato Kherlakian, anunciou na semana passada que pela primeira vez não desfila sua coleção na SPFW. Vai sanar dívidas antes de voltar a produzir um desfile na SPFW. Para completar, circula pelos corredores fashion o boato de que a Fause Haten não está conseguindo dar conta de suas encomendas. Fashionistas e não-fashionistas se perguntam o que de fato aconteceu com o a holding que era presidida pelo economista Vicente Melo (que trabalhou no Banco Mundial e ingressou na moda como vice-presidente da Fórum). O grupo surgiu com alarde e prometia gerir não só as já citadas mas também a Clube Chocolate, a Zapping e a Cúmplice. Entre os objetivos, estavam a abertura de uma loja Herchcovitch em Nova York (já há uma em Tóquio), a abertura de novas lojas da Zoomp e a aquisição de mais grifes. "Estou feliz. Vou realizar o sonho de internacionalizar minha marca e poder, ao mesmo tempo, me dedicar mais à criação", dizia Alexandre Hercovitch nos bastidores de seus desfiles em janeiro. Hoje, a I?M não possui porta-voz oficial. Muitos afirmam que o grupo I?M agiu de má fé. Outros dizem que Melo está fora do País e que Enzo Monzani, um dos investidores da I?M, não possuía nem mesmo residência fixa no Brasil. Depois da crise, que levou Herchcovitch (um dos mais jovens e bem sucedidos estilistas brasileiros) a quase não conseguir entregar suas encomendas aos clientes, o silêncio impera. Sabe-se que o estilista está em negociação com o In Brands e que diz aos amigos estilistas que aprendeu uma lição. Entre boatos e especulações, fato mesmo é ?O caso I?M? prova que a moda brasileira caminha, mas tropeça. Mas a resistência das marcas, o fato de Fause Haten manter seu desfile nesta edição da SPFW provam também que a moda nacional tropeça, mas segue em frente. Casos como este funcionam muito mais para marcar a perda da inocência da moda nacional. "Você tem razão. Houve ingenuidade nossa para perceber como era a formação do grupo. Mas tudo é aprendizado. Foi um belo plano de divulgação. A idéia foi comprada por todos. Mais porque há uma vontade de ver, e de fazer, com que nosso mercado dê certo", responde Amir Slama, presidente da Abest (Associação Brasileira de Estilistas) e criador da Rosa Chá, quando questionado se a rápida ascensão e queda da I?M não tenha sido um belo ?case? da de estratégia de marketing. "Não acho que tenham agido de má fé, mas queriam construir uma marca forte em pouco tempo para depois conseguir levantar a verba necessária com os investidores. E isso não ocorreu", diz Slama, que há dois anos vendeu sua marca, a Rosa Chá, para o grupo Marisol. "Foi a melhor coisa que fiz. Pude crescer, tratar melhor meus funcionários, cuidar mais da logística, da distribuição e me dedicar mais à criação. Este é um momento em que a moda nacional se profissionaliza e precisa de injeção e investimentos em setores mais técnicos", completa o estilista que desfila a Rosa Chá masculina no sábado. Como presidente da Abest, Slama afirma que o órgão ficará mais atento. "A nossa moda vai bem sim, mas vamos prestar mais atenção e dar mais assessoria aos estilistas. " Paulo Borges, criador e diretor da SPFW, concorda: "Apesar do caso da I?M, os negócios estão caminhando. Há hoje sete grupos de moda que estão fazendo aquisições. Negócios que dão errado acontecem o tempo todo. A tendência é só lembrar dos sucessos. Estamos aprendendo a fazer. É um processo irreversível e muito positivo. Vai mudar o perfil do negócio de moda no Brasil."

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