A cidade dos resorts, que virou líder em mortes

Mata de São João tem o maior número de homicídios por 100 mil habitantes no País; centro violento contrasta com o litoral turístico

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Por Marco Antônio Carvalho
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MATA DE SÃO JOÃO - São pelo menos duas cidades. Mata de São João fica a 60 km de Salvador e vive uma rotina no centro, com entorno violento, e outra em seu litoral, dominado por hotéis e resorts de luxo, onde reina relativa tranquilidade. O contraste fica claro quando se compara a busca por destinos como a Costa do Sauipe, conjunto de serviços turísticos e localidade entre as mais procuradas para as férias, e o título recém-conquistado de município mais violento do Brasil, de acordo com o Mapa da Violência 2016.

Polícia Militar conta com 120 homens na cidade; Prefeito diz que seria necessário ao menos o dobro Foto: Marco Antonio Carvalho/Estadão

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A distância também é física. Com mais de 633 km² – Santos tem 280 km², por exemplo –, a tarefa de se deslocar da prefeitura à Praia do Forte, destino turístico também na circunscrição da cidade, demora ao menos 1h30 de carro por rodovias esburacadas. Enquanto de um lado a preocupação é com o movimento fraco no comércio em baixa temporada, de outro, está mais presente a insegurança.

No centro, todos têm uma história de morte para contar. No bar do seu Aurino Pereira dos Santos, de 53 anos, na Praça Amador Bahia, foram duas em 2016. Homens chegaram de moto e mataram quem estava bebendo. Seu Aurino diz não conhecer as vítimas nem os assassinos – só escutou os disparos. “Estamos aqui nas mãos de Deus mesmo, esperando que nada aconteça”, diz ele, dono do estabelecimento há cerca de 30 anos. “Antes, não era assim. Isso veio de uns tempos para cá.”

As siglas de diferentes facções que disputam o tráfico de drogas na cidade surgem rapidamente em conversa com moradores: PCC, que reclama ligação com a facção paulista, e BDM, de Bonde do Maluco, grupo com atuação em cidades baianas, são algumas. O tráfico, aliás, é apontado como motivação para uma chacina na cidade em julho, quando três homens e uma mulher foram executados dentro de uma casa no distrito de Açu da Torre.

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O número de homicídios praticados com armas de fogo pode não impressionar frente a grandes cidades: em 2014, foram 45 – em Salvador, no mesmo período, foram 1.102 casos. Mas para uma população estimada em 45 mil habitantes, a quantidade faz a taxa por 100 mil habitantes ser superior a 100, deixando os outros 5.569 municípios brasileiros para trás. Para as autoridades locais, a “desova” de crimes praticados em outras cidades e o tráfico ajudam a explicar o cenário.

Do seu gabinete, o prefeito Marcelo Oliveira (PSDB), já em campanha para tentar a reeleição, minimiza os dados. Diz que as estatísticas, que são de 2014, não representam a realidade.

Para ele, a disputa de facções rivais por pontos de venda de entorpecentes e execuções por dívidas representam a totalidade dos crimes contra a vida. “Os assassinatos não são de pais de família, trabalhadores, pessoas de bem. Não estou com isso relativizando e dizendo que a morte de um traficante não é importante. Claro que é. Mas qual o reflexo disso? Diria que por esse motivo a sociedade não se identifica com as vítimas.”

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Na roda de mototaxistas na Praça Amador Bahia, uma consulta sobre os locais do entorno do centro vem com um alerta. “Melhor você, que é de fora, não ir lá sozinho, ficar perguntando sobre essas coisas.”

Turistas. Segundo o prefeito, a preocupação real está em outros crimes, como pequenos assaltos, que seriam também resultado da ação de pessoas ligadas ao tráfico. Questionado sobre qual orientação daria ao turista que está planejando viagem à cidade, recomendou cautela. “Como em qualquer lugar, eu não vou para a praia com máquina fotográfica no pescoço. E evito levar o celular. Por que vou levar? Mas não desmarque (planos de viagem), nosso verão já está começando.”

Secretaria vê migração de criminosos e diz que homicídios têm investigação complexa

A Secretaria da Segurança Pública da Bahia atribui a presença de traficantes em Mata de São João ao “cerco fechado” contra criminosos em Salvador, fazendo com que eles, então, migrassem para cidades da região metropolitana e do interior. “Estamos com as inteligências das polícias trabalhando em conjunto e com operações em curso paracumprimentos de mandados de prisão contra traficantes daquela região”, acrescenta. 

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Quanto à dificuldade de solucionar casos de homicídios na cidade, a pasta diz que esse tipo de apuração é complexa e pode exigir um tempo indeterminado. “Coletar provas, ouvir testemunhas, confeccionar laudos periciais, obter autorização judicial para interceptação telefônica, apuração dos fatos, liberação de mandados de prisão e de busca e apreensão são algumas das etapas necessárias para a elucidação de um assassinato e que demandam um período, em alguns casos, imprevisível.”

O contexto e crise econômica e de aumento da violência também foram ponderados pela secretaria, dizendo que o “déficit de efetivo é um problema nacional” e tem de ser reconhecido o esforço do governo “na manutenção dos investimentos em Segurança Pública, mesmo com a situação do País”. Ainda segundo a pasta, as estatísticas dos chamados crimes letais intencionais com a vida - classificação que engloba casos de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte - tiveram redução de 18% de 2014 para 2015 em Mata de São João. 

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