A cidade que agora dorme cedo

Fiscalização da Prefeitura sobre bares e restaurantes muda noite de SP

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Por Humberto Maia Junior e Rodrigo Brancatelli
Atualização:

Quase 2 horas de sexta-feira e um vira-lata passeia despreocupadamente bem no meio da Rua Fidalga, coração do boêmio bairro da Vila Madalena. Por aqueles quarteirões, talvez o cachorro seja mesmo o que mais se aproxime da definição de boemia. Muitos bares estão de portas cerradas, os valets já foram embora e até o Filial, conhecido por abrigar baladeiros incansáveis, fecha as portas, para não chamar muito a atenção. Pelos Jardins, como na esquina das Ruas Oscar Freire e Peixoto Gomide, é possível ficar alguns minutos sem ver um carro passar. Na Vila Olímpia, também famosa pela vida noturna, a crônica é igualmente monótona - dá até medo de andar por ruas tão escuras e sem vida. Nunca o lema ''''a cidade que nunca dorme'''' pareceu tão despropositado para São Paulo. Sim, ela dorme, e cada vez mais cedo. Empresários, entidades, moradores, botequeiros e baladeiros concordam que algo está mudando na noite da capital - alguns dizem que para melhor, outros que para pior. A razão, no entanto, é a mesma: a burocracia para abrir estabelecimentos e, principalmente, a pressão da Prefeitura em cima dos que estão irregulares. O Programa de Silêncio Urbano (Psiu), criado pela Prefeitura para combater a poluição sonora, é o ponto mais visível e um dos catalisadores dessa mudança. De janeiro de 2005 até outubro deste ano, 5.786 bares e danceterias foram notificados por estarem fora da lei, 1.065 acabaram sendo multados e 189, fechados. Foram recebidas nesse período mais de 92 mil reclamações de vizinhos irritados com a baderna. Os 30 agentes da equipe observam com rigidez duas leis distintas, que estão em vigor desde 1994, mas que nunca haviam sido levadas ao pé da letra. Para que um restaurante, bar ou danceteria fique aberto após a 1 hora, ele deve ter licença de funcionamento específica, que obriga a dispor de isolamento acústico, segurança e estacionamento próprio. A outra determinação é bem mais rigorosa. Entre 7 e 22 horas, os estabelecimentos não podem deixar vazar para a rua mais do que 65 decibéis de ruídos. O que na prática equivale a um aspirador de pó ligado. Nos demais horários, o limite cai para 55 decibéis - o mesmo que uma lava-roupas ou um motor de caminhão. O secretário de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, diz que a adaptação à lei não significa o fim da boemia em São Paulo. ''''A cidade não vai perder a alegria se os bares tirarem as mesas das calçadas após determinado horário e as casas tiverem isolamento acústico.'''' O secretário descarta a hipótese de mudanças na lei atual e diz que os moradores têm direito ao descanso - daí a importância do Psiu. FALTA DE ESTRUTURA O desdobramento dessas operações de fiscalização é visto de outra forma por freqüentadores e empresários da noite. ''''As leis são arbitrárias'''', diz Flávio Pires, dono de três casas na Vila Madalena - Quitandinha, Rose Bom Bom e Sake Sushi Bar - e presidente da Associação de Gastronomia, Entretenimento, Arte e Cultura. ''''Eu sou morador da Rua Aspicuelta e sei até que ponto o barulho atrapalha. Mas é preciso haver um meio-termo. São Paulo não tem praia, os bares fazem esse papel. É preciso debater a legislação e investir na estrutura da cidade para a noite da capital não se parecer cada vez mais com um cemitério.''''

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