''A cidade simplesmente não pode viver sem cor''

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Por Vitor Hugo Brandalise
Atualização:

Chegou o horário combinado e eles ainda não haviam decidido o que pintar. Os grafiteiros osgemeos, os irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo, sabiam apenas que a nova obra, a ser feita a pedido do Estado, teria "a cara do momento". Aproximaram o rolinho de tinta da parede cinza - um cinza recente, resultado de intervenção da Prefeitura numa madrugada da semana passada - e, às 16h12 de uma quarta-feira nublada, o colorido começou a surgir. Os traços amarelos eram esperados. Trata-se da cor da maioria dos personagens da dupla, em trabalhos que, além dos muros da capital, já foram expostos em museus de mais de 15 países. Em junho, ganharam inclusive a fachada do celebrado museu de arte moderna Tate Modern, em Londres. "O mundo reconhece a street art. Aqui é que parece haver algum problema", alfineta um maroto gêmeo Gustavo, fazendo referência às ações da Prefeitura para apagar grafites e pichações pela cidade. "Mas isso vai passar, questão até de evolução do pensamento." A dupla osgemeos - reconhecida por misturar arte de rua com elementos do folclore nacional em desenhos oníricos, num universo próprio criado por eles -, com a autorização do proprietário da parede, usou o espaço, recém-pintado de cinza, para homenagear a cidade. A mesma parede, de uma loja de ferramentas no Brás, esquina da Avenida Radial Leste com a Rua Mem de Sá, já havia sido grafitada por eles outras três vezes desde o ano passado, mas foi paulatinamente apagada. "Dizem que lutam por cidade limpa, mas olhe ao redor: a cidade simplesmente não pode viver sem cor", diz Gustavo, voltando-se à Radial, sentido zona leste. O que há de colorido por ali? No horizonte, além do cinza escuro dos prédios, duas placas verdes de trânsito e um carteiro, ponto amarelo caminhando na calçada. "Quando o que mais chama a atenção numa paisagem é a cor da roupa de uma pessoa, algo deve estar errado." São 16h35 e os artistas, com cuidado, afinam os traços do novo grafite - da mochila, toda suja de tinta, eles já tiraram a maior parte das latas de spray (importadas, 16 cores), os quatro rolos de pintura, as latas de tinta látex amarela, azul, vermelha. O desenho também já se revela: "Vai ser um grafiteiro, surgindo do cinza para levar cor à cidade", explica Otavio, o mais calado da dupla de artistas paulistanos, nascidos em 1974. Ele se solta: "É assim que homenageamos São Paulo. Uma comemoração de todo dia, amor que mostramos a cada nova obra." Às 16h54, Otavio joga o colorido final - os detalhes da roupa estão prontos, o estilingue que vai colorir a cidade está armado. "Debaixo de uma parede cinza... Existe um amor pela nossa cidade", escreve Otavio. Singela homenagem na parede, de onde surge um grafiteiro que se propõe a levar, mais uma vez, o cinza embora dali.

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