A história da morte da pró-reitora que sabia demais

Além de Soraiha Miranda de Lima, foram assassinados um professor e o prefeito do câmpus

PUBLICIDADE

Por Eduardo Nunomura
Atualização:

No último dia de sua vida, Soraiha não ligou para avisar que chegaria em casa naquela noite. Seu filho Ulisses e um sobrinho, acostumados ao hábito de ela sempre telefonar nas viagens, foram então dormir. Cinco estampidos de bala assustaram o menino de 8 anos. Ao espiar pela janela, Wanderlan só viu um homem caído ao lado da porta aberta de um carro. Ele pegou o telefone sem fio, ligou para a polícia, abriu o portão e aí viu a tia estendida na rua. Dois jovens que tomavam tereré (erva-mate com água gelada) na outra ponta da mesma rua vieram correndo. O cabo Rodrigo Ribeiro Oliveira, da Polícia Militar, em ronda na vizinhança, chegou menos de 4 minutos depois. Foi ele quem perguntou ao homem caído no chão se tinha visto o assassino. Luiz Mauro Russo, prefeito do câmpus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em Rondonópolis, que quando era preciso servia de motorista, respondeu: "Foi um cidadão magro, com camiseta vermelha e capuz na cabeça. Chegou atirando e saiu correndo." Do outro lado do carro, o Clio KAH-0642, estava o professor de Zootecnia, Alessandro Luís Fraga. Dos cinco tiros ouvidos por mais de um vizinho, quatro foram certeiros. O laudo do Instituto Médico-Legal indicou que duas balas atingiram o peito e a barriga de Soraiha, uma perfurou a barriga do prefeito e ficou alojada em seu corpo e a quarta atingiu o tórax do professor. Um indício de que ela era o alvo principal, ainda mais pelo crime ter ocorrido na frente de sua casa. Uma emissora de TV local chegou com as vítimas ainda agonizando. Filmou tudo e reproduziu horas depois nos noticiários, o que chocou a família de Soraiha Miranda de Lima, pró-reitora da UFMT. Nas últimas semanas, Soraiha vinha se sentido pressionada e triste de tão cansada. Bem diferente da professora que servia de exemplo para a família. "Minha filha foi uma menina que quando pegou um lápis na mão nunca mais soltou", lembra o pai, Hamilton, que ouviu ela falar das ameaças que estava sofrendo. "O mundo não compartilha dos valores da minha tia. Quem fez isso, se pensasse como ela, não teria acabado com uma vida", desabafa o sobrinho. Com dois diretores a ela subordinados, a pró-reitora teve desavenças, como na recente contratação direta de professores. "Muitas vezes, ela passava na frente dos institutos", diz Manoel Benedito Nirdo, do Instituto de Ciências Exatas e da Natureza. "Reclamei de coisas que ela fazia sem obedecer ao trâmite", afirma Paulo Isaac, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Ambos não vêem a possibilidade de o crime ter ocorrido porque ela investigava irregularidades internas, uma vez que o orçamento da universidade era limitado. Soraiha também comprou briga ao dispensar uma empresa que prestava serviços de segurança e limpeza, que beneficiava servidores. Ela teve ainda acesso a um dossiê com denúncias de corrupção, prevaricação, improbidade administrativa e desvios de até R$ 2 milhões em compras. Para colegas da UFMT, Soraiha morreu porque sabia demais. Rondonópolis, terra do governador Blairo Maggi, tem freqüentado o noticiário nacional por causa da criminalidade. Não que tenha alta taxa de homicídio: foram 37 mortes violentas este ano. É mais pela peculiaridade dos crimes. Em maio, um garoto de 13 anos foi morto com um tiro numa simulação de ação anti-seqüestro feita pela Polícia Militar. Para a população de 172 mil habitantes, houve ainda o estupro de uma menina de 12 anos, o assassinato de uma empresária e a fuga de 58 presos, 24 ainda foragidos, que escaparam da cadeia pública. Tudo isso e mais as drogas que vêm transformando a cidade num entreposto criminal. INVESTIGAÇÃO "Foi um ano atípico", reconhece o delegado regional João de Morais Pessoa Filho, que comanda a Polícia Judiciária Civil. Por isso, tem pressa em solucionar o triplo homicídio. "Não existe caso impossível, só o mal trabalhado", diz o delegado da divisão de Homicídios, Antonio Carlos de Araújo. As polícias Civil e Federal rastreiam os últimos passos e atos administrativos de Soraiha. Eles podem levar aos criminosos. Já há suspeitos, tanto da execução quanto do mando do crime, sendo monitorados pelos policiais. Há duas semanas, uma greve foi iniciada por estudantes, à qual aderiram professores e funcionários. Eles queriam melhorar as condições da universidade. Muitas eram demandas já em andamento. A paralisação serviria também para fortalecer Soraiha - pois viam nela uma aliada. Sobretudo num momento em que a emancipação do câmpus parecia ter mais chances de acontecer. A pró-reitora era a que mais poderia atender aos pedidos estudantis. Ao se transformar em Universidade Federal de Rondonópolis, a autonomia implicaria mais recursos, da ordem de milhões de reais, e permitiria a expansão e desenvolvimento maior do câmpus. O professor Alessandro Luís Fraga, com dois anos de UFMT, era um dos encarregados de elaborar o projeto de emancipação da instituição. Foi morto antes que pudesse concluí-lo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.