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A moral da República do Pão de Queijo

Por Rui Nogueira
Atualização:

Numa manhã quente de Brasília, no início de 1993, um enxame de jornalistas madrugou na casa do então ministro da Fazenda, Paulo Haddad. O ministro espantou-se ao dar de cara com a tropa da imprensa. O que ele tinha a dizer sobre o aumento da gasolina decretado na noite anterior e que havia deixado o presidente Itamar Franco enraivecido? Haddad respondeu: "Uai, o presidente tá com raiva?! É mesmo?! A mode quê?".O reajuste dos combustíveis, naqueles tempos de inflação fumegante, era uma regra preestabelecida pela equipe econômica, mas Itamar não queria mais saber dos pilotos automáticos da burocracia. Com Fernando Collor destituído do cargo e o poder político da Presidência posto à prova, Itamar sabia que, de imediato, não tinha nem gente nem ideias para tratar da maior agonia dos brasileiros, a inflação. O reajuste da gasolina podia ser inevitável, mas a prática tinha de mudar.Diante dos descalabros dos governos Sarney (1985-1989) e Collor (1990-1992), Itamar começou tratando, no Planalto, da única urgência que podia ser atendida: a ressurreição da liturgia do cargo, o restabelecimento de um cânone que fizesse o País esquecer que o rito presidencial fora capturado por um arrivista cercado por uma quadrilha.A República do Pão de Queijo, chefiada por Itamar, não era uma reunião ao acaso de um grupo de caipiras ingênuos. Parecia isso, mas era um exercício político de moralistas tão espertos quanto o chefe, onde, por exemplo, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) pontuava explicitamente sobre o que fazia a boa ou má imagem do poder - especialidade que o transformaria, a partir da tribuna, em palmatória do mundo nos governos FHC e Lula.O grupo seguia a especialidade do presidente, que era o faro para sentir os ventos sociais. Foi nessa onda que Itamar sempre surfou, não raro, em nome da sobrevivência partidária, com algum oportunismo, mas, no geral, com um padrão de decência que honra a política. PTB, MDB, PL, PRN, PPS e PMDB são parte de um zigue-zague partidário que não foge à regra, pois Itamar nunca foi nem bom administrador nem político coerente. Gostava de ser tratado como pai do Plano Real, mas só pelo lado que enterrou a cruz da inflação. Das privatizações e das medidas para reorganizar o Estado e torná-lo e menos corporativista ele era padrasto e fazia beicinho falando em nome do povo, dos coitados dos funcionários e da necessidade de "recompor o setor público". Politicamente ladino, Itamar era o mesmo que, em janeiro de 2003, passou ao sucessor a casa do governo de Minas onde nem os elevadores funcionavam.

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